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Fritz Müller Imprimir E-mail

fotoJohann Friedrich Theodor Müller, naturalista alemão que migrou para Santa Catarina em meados do Século XIX. Autor de “Für Darwin”, um dos principais livros a ratificar  a teoria da origem e evolução das espécies de Charles Darwin. O Profº Luiz Roberto Fontes apresenta, neste verbete, aspectos da vida e da obra deste importante cientista.

Fritz Müller
31.III.1822 – 21.V.1897

“Príncipe dos Observadores” – Charles Darwin
“Herói da Ciência” – Ernst Häckel

Fritz Müller, cujo nome completo era Johann Friedrich Theodor Müller, nasceu em Windischholzhausen, aldeia próxima a Erfurt, capital da província da Turíngia, na Alemanha. Formou-se em Filosofia (área a que se dirigiam os interessados em História Natural, atual Biologia) pela Universidade de Berlim e em Medicina pela Universidade de Greifswald. Por motivos de ordem pessoal e política, imigrou ao Brasil em 1852, aos 30 anos de idade com a esposa e uma filha, instalando-se como um simples colono na colônia fundada por Hermann Blumenau havia apenas 2 anos. Lá manteve sua residência permanente. Também viveu 11 anos (1856-1867) em Desterro — a atual Florianópolis —, na qualidade de professor de ciências e matemática do Liceu Provincial. Nos 45 anos vividos em nosso país, explorou as praias e excursionou longamente pelas vegetações e rios da região leste do estado de Santa Catarina, para estudar animais e plantas. Jamais saiu de Santa Catarina, nem para conhecer o Museu Nacional do Rio de Janeiro, que o contratou no cargo de naturalista-viajante durante 15 anos (1876-1891), tampouco para retornar a Alemanha, recusando convite para se tornar professor universitário em seu país natal. Faleceu em Blumenau aos 75 anos e lá seu corpo está sepultado.

Fritz Müller viveu os primórdios da Ciência moderna. Foi um naturalista, no sentido amplo da palavra, tendo se dedicado a inúmeros temas nos campos da zoologia e da botânica, principalmente sob aspectos biológicos, ecológicos, anatômicos e evolutivos. Distante do mundo europeu, onde se localizavam as grandes instituições de pesquisa científica e se desenrolavam os grandes debates da ciência no século XIX, isolado na nova terra que elegeu por pátria e laboratório natural, investigou temas da natureza brasileira e edificou notável obra científica, de interesse mundial. Correspondeu-se e ofereceu valiosas contribuições, na forma de detalhadas observações colhidas na natureza brasileira e minudenciadas em longas cartas dirigidas aos naturalistas da época, incluindo grandes nomes como Charles Darwin e Alexander Agassiz, entre vários outros. Seu único e excelente livro, Für Darwin (1864), projetou-o na ciência mundial, onde seu nome já era reverenciado, como o primeiro naturalista a testar no campo, em longa série de observações realizadas com crustáceos marinhos do litoral catarinense, a proposição de Darwin sobre a evolução das espécies, longamente explanada há apenas 5 anos (1859) no magnífico livro, On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life.

O isolamento geográfico, a bela natureza brasileira e a vida rude no local que elegeu por morada, atual cidade de Blumenau, seguramente aquietaram-lhe o espírito, em desalinho com o conservadorismo religioso dogmático e com os resquícios do feudalismo, que dominavam o cenário político e social alemão. Também despertaram no sábio toda a plenitude de sua capacidade de observar, interpretar e documentar a fauna e a flora das matas, rios e do mar, não apenas no interesse próprio, como também para atender inúmeros naturalistas, que a ele recorriam para obter variadas informações.

O livro de Fritz Müller, publicado na Alemanha, logo despertou o interesse do naturalista Charles Darwin. Iniciaram correspondência em 1865, que se prolongou até a morte do propositor da teoria da evolução das espécies, em 1882. Segundo Francis Darwin, filho do naturalista inglês, essa correspondência foi uma fonte de prazer para seu pai; tinha até a impressão de que, de todos os amigos que seu pai não chegou a conhecer pessoalmente, Fritz Müller foi aquele por quem tinha o maior apreço. Tão importante foi o livro de Fritz Müller para a consolidação da teoria evolutiva — paradigma da Ciência Biológica — que o próprio Charles Darwin obteve do autor o consentimento para tradução e a 2a edição apareceu em 1869 na Inglaterra, com o título Facts and arguments for Darwin.

Charles Darwin diversas vezes sugeriu a Fritz Müller escrever um livro voltado ao grande público, cujo título poderia ser Notas de um naturalista no sul do Brasil ou outro semelhante, relatando suas excursões e descobertas. Essa idéia foi bem acolhida por Fritz Müller, porém jamais se concretizou; possivelmente somada a outros revezes da vida, a morte precoce da filha Rosa, a única com pendor naturalista como o pai, desanimou-o profundamente na empreitada, que ensejava fosse realizada pela filha, com o seu apoio.

O naturalista adotou o Brasil como sua segunda e definitiva pátria. Além do livro que o tornou mundialmente conhecido e aclamado, produziu uma valiosa obra sobre a fauna de invertebrados e as plantas de Santa Catarina, publicada em cerca de 250 artigos científicos. Foi um exímio desenhista, marca que caracteriza e embeleza muitas de suas publicações, inclusive o seu livro. Suas cartas (em parte preservadas) foram reunidas por seu sobrinho Alfred Möller e publicadas no segundo volume da obra Fritz Müller. Werke, Briefe und Leben em 1921, publicada na Alemanha. Essas cartas compõem um precioso registro de época, com valor histórico sobre a Alemanha na primeira metade do século XIX e a colonização alemã no sul do Brasil na segundo metade desse século, valor científico no campo da história natural, e com relatos úteis a pesquisas de cunho antropológico e social. Dentre sua produção literária, há poesias sobre animais e plantas de Santa Catarina, que elaborava para educar as suas filhas nas primeiras letras e no encanto da natureza. As poesias de Fritz Müller estão no terceiro volume da obra de Möller, publicado em 1920 e foram reunidas no livro História natural de sonhos, organizado e com traduções de Lia Carmen Puff e Dennis Radünz.

Tão volumosa, minuciosa e acurada foi a obra realizada por Fritz Müller, e tão disponível a todos que o procuraram em busca de informação ou auxílio, que Charles Darwin o denominou Príncipe dos Observadores da natureza, e Ernst Haeckel, ao redigir seu necrológio, designou-o um Herói da Ciência. Para resumir a vida do grande homem e cientista, reprisamos a frase da epígrafe de sua tese de doutorado sobre sanguessugas, na Alemanha, e repetida no seu livro Für Darwin:

Caeterum, nullius in verba jurans, aliorum inventa consarcinare haud institui; quae ipse quaesivi, reperi, repetitis vicibus diversoque tempore observavi propono.

"Aliás, o que exponho, sem jurar nas palavras de ninguém, e sem compilar as descobertas de outrem, é o que eu mesmo investiguei, achei e observei por diversas vezes e em diverso tempo."

A essa frase, de autoria do naturalista dinamarquês Otto Friedrich Müller, do século XVIII (1730-1784), devemos acrescentar que tudo o que Fritz Müller "investigou, achou e observou por diversas vezes e em diverso tempo", ele sempre compartilhou com aqueles que o procuraram em busca de informação ou auxílio na pesquisa científica, ou espontaneamente narrou a seus inúmeros correspondentes em longas e minuciosas cartas, às vezes ilustradas com belos desenhos; — vários cientistas mandaram publicar essas cartas ou aproveitaram as valiosas informações em seus artigos e livros científicos, creditando corretamente a Fritz Müller o mérito do achado.

Bibliografia

Livro escrito por Fritz Müller:
Müller, Fritz, 1864. Für Darwin. Wilhelm Engelmann, Leipzig, 91 pp. [Existem apenas 3 exemplares originais no Brasil]
Müller, Fritz, 1869. Facts and arguments for Darwin. John Murray, London, 144 pp. [Existem apenas 2 exemplares originais no Brasil]

Coletânea de poesias de Fritz Müller:
Müller, Fritz, 2004. História natural de sonhos (Naturgeschichte der Träume). Nauemblu, Blumenau, 56 pp. [tradução e organização de Lia Carmen Puff e Dennis Radünz]

Coletânea da obra de Fritz Müller:
Möller, A., 1915. Fritz Müller. Werke, Briefe und Leben. Vol. 1, Text-Abteilung 1: Arbeiten aus den Jahren 1844-1879. Gustav Fischer, Jena, XVIII + 800 pp.
Möller, A., 1915. Fritz Müller. Werke, Briefe und Leben. Vol. 1, Text-Abteilung 2: Arbeiten aus den Jahren 1879-1899. Gustav Fischer, Jena, 710 pp.
Möller, A., 1915. Fritz Müller. Werke, Briefe und Leben. Vol. 1, Atlas: Arbeiten aus den Jahren 1844-1899. Gustav Fischer, Jena, 84 pl.
Möller, A., 1921. Fritz Müller. Werke, Briefe und Leben. Vol. 2: Briefe. Gustav Fischer, Jena, XVII + 667 pp, 4 pl.
Möller, A., 1920. Fritz Müller. Werke, Briefe und Leben. Vol 3: Fritz Müllers Leben, Gustav Fischer, Jena, V + 163 pp, 1 pl.

Luiz Roberto Fontes é zoólogo (entomólogo especializado em cupins) e empenha-se no resgate da memória do naturalista Fritz Müller, com o projeto Nosso Fritz Müller.

 
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