D. João Carioca, de Lilia Moritz Schwarcz e Spacca |
Comentário sobre a feliz parceria entre a historiadora Lilia Moritz Schwarcz e o cartunista João Spacca de Oliveira, que resultou no livro “D. João Carioca: a corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821)”, uma história em quadrinhos publicada pela Editora Companhia das Letras e que trata dos motivos e conseqüências da transferência da corte portuguesa ao Brasil em 29 de novembro de 1807. D. João Carioca: A corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821) No Brasil a imagem estereotipada que temos do historiador leva-nos a esperar deste profissional textos sisudos e repletos de datas e notas de rodapé. Há muito, no entanto, a História flerta com a Literatura, e desde a interdisciplinaridade proposta pelos historiadores da Escola dos Annales (movimento de renovação da historiografia surgido na França em 1929), os temas sobre os quais se debruça ampliaram-se ao ponto desta estudar hoje objetos bastante insólitos, como a história dos cheiros, por exemplo. Assim, aspectos antes negligenciados, atualmente adquirem grande importância para se compreender momentos e fatos da história vivida. Pequenos detalhes como o tipo de vestimenta usado pelas senhoras da nobreza portuguesa do século XIX ou expressões populares hoje esquecidas, ocupam espaço de destaque nas narrativas historiográficas focadas nos aspectos culturais e das mentalidades das sociedades que pretendem compreender. E se novos temas e objetos são incorporados aos estudos históricos, também a preocupação com a linguagem que socializará estes estudos aumenta, procurando aproximar o texto historiográfico de um público cada vez mais amplo sem, no entanto, abandonar seu rigor metodológico e teórico. Toda esta introdução para comentarmos a feliz parceria entre a historiadora Lilia Moritz Schwarcz e o cartunista João Spacca de Oliveira, que resultou no livro “D. João Carioca: a corte portuguesa chega ao Brasil (1808-1821)”, uma história em quadrinhos publicada pela Editora Companhia das Letras e que trata dos motivos e conseqüências da transferência da corte portuguesa ao Brasil em 29 de novembro de 1807. Muitas são as releituras deste momento histórico nas artes em geral, bem como também muitas e diferentes são as interpretações do evento pelos historiadores. Talvez a versão mais conhecida pelo grande público seja o filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brazil”, produção dirigida por Carla Camurati e que marcou a retomada do cinema brasileiro em 1995. Este filme, uma sátira política, retrata a transferência da corte como uma fuga atabalhoada e sem qualquer planejamento, um D. João bufão e uma Carlota Joaquina ninfomaníaca, satirizações que se estabeleceram enquanto verdades históricas para o senso comum. Controvérsias a parte, o que propõem Schwarcz e Spacca é diferente. A pesquisa que resultou nesta história em quadrinhos, percebe-se desde a primeira página, foi rigorosa e minuciosa ao ponto de resgatar expressões de época, detalhes de vestuário, arquitetura, embarcações e armas do período. Muitas das cenas são inspiradas em obras de artistas plásticos como Rugendas, Goya, Debret entre outros. Ao final da obra são apresentados diversos esboços dos desenhos com comentários do próprio Spacca, onde este explica como chegou às cenas e retratos que estão no livro. É o caso do retrato de D. Pedro I, cuja imagem mais conhecida foi produzida por Simplício Rodrigues de Sá, mas preterida por Spacca por achá-la “estranha” (“parece um querubim”, escreveu o cartunista) e que preferiu basear seus desenhos em um esboço do imperador feito por Debret, que acredita “ser mais fiel”. Na interpretação de Lilia Moritz Schwarcz, D. João é representado como um estrategista astuto que sabia ouvir as diferentes opiniões dos seus conselheiros e optar pelas alternativas que considerava mais viáveis e seguras, e uma Carlota Joaquina ardilosa, porém submetida ao controle e ao poder do marido. A transferência da corte aparece como uma decisão ousada para garantir a Casa de Bragança no trono português, bem como assegurar a posse das lucrativas colônias ao sul do Equador. Entre um heróico e suicida enfrentamento com as tropas napoleônicas ou o rompimento com o lucrativo comércio inglês, D. João preferiu uma terceira e inédita solução: manter sua aliança com o império inglês através de uma eufemística “mudança provisória da capital” de Lisboa para o Rio de Janeiro. O livro além de apresentar as mudanças geográficas, econômicas, políticas, sociais e culturais por que passa o Brasil após a transferência, também explica costumes como o do “beija-mão”e as intrigas políticas que impregnavam os bastidores da corte e as relações internacionais. Texto: Viegas Fernandes da Costa / Sarau Eletrônico / Outubro de 2008. |
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