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Lindolf Bell Imprimir E-mail

Lindolf Bell, poeta e crítico de arte nascido no município catarinense de Timbó, foi um dos fundadores do movimento da Catequese Poética. Nos dez anos da sua morte, o poeta Dennis Radünz escreve este sensível texto que resgata um pouco da história e da literatura do poeta das Annamárias.

Lindolf Bell 

Dennis Radünz

“Procuro a palavra palavra./Esta que me antecede/e se antecede na aurora/e na origem do homem”,capa diz o primeiro poema do livro “O Código das Águas” (1984), volume que reúne algumas das melhores criações do poeta catarinense Lindolf Bell (1938-1998). Essa investigação da palavra original – dessa palavra que antecederia a existência humana, porque a funda e recria – acompanhou o filho de lavradores nascido em Timbó, no vale do rio Itajaí-açu, desde que, ainda criança, ouvia o pai tocar melodias ancestrais no bandoneon e via a mãe recitar longos trechos da Bíblia em alemão. Essa vivência da oralização do texto bíblico marcaria, no futuro, o talento invulgar do poeta Bell para comunicar a poesia para além do papel impresso, alcançando a multidão. Essa a origem de sua ‘catequese’ poética.

Nascido em 2 de novembro de 1938, Lindolf Bell cresceu na paisagem bucólica da germânica Timbó, onde educou-se para a poesia no vocabulário das coisas mais cotidianas: o portão da casa, o pomar, a carroça, o pão caseiro, o rancho, a horta, o amor, a esperança. De sua casa da infância – agora museu Casa do Poeta Lindolf Bell –, partiria para o Rio de Janeiro em 1958, quando serviu na Polícia do Exército da então capital federal. No mesmo ano, descobriu sua vocação de intérprete ao declamar um poema no Juramento à Bandeira, para surpresa e fascínio da caserna.

Mas, como intuiu no “Poema do andarilho” – “menor que meu sonho/não posso ser” – Lindolf Bell estaria em São Paulo em 1962, onde conheceu Lygia Fagundes Telles e Cecília Meireles e o seu primeiro editor, Massao Ohno. “Os póstumos e as profecias” é o seu primeiro volume de poemas, lançado no mesmo ano, e logo na primeira parte – Os póstumos – reverencia João da Cruz e Sousa (1861-1898), o poeta máximo do Simbolismo em língua portuguesa. Cursava então Dramaturgia na Escola de Arte Dramática (EAD) e, em 63, receberia, como revelação literária, o prêmio ‘Governador do Estado de São Paulo’.

Em 1964, ano do golpe militar, Lindolf Bell ganharia projeção nacional ao declamar poemas no Viaduto do Chá e em praças, boates, escolas e fábricas de São Paulo e do Rio, no movimento que passaria a se chamar Catequese Poética e que incluiria, entre outros, os poetas Rubens Jardim, Iracy Gentilli, Luiz Carlos Mattos e Érico Max Müller. Naquele instante histórico, a figura do poeta sulino de feições européias ilustrou inúmeras revistas que apontavam em Bell um renovador da expressão poética, não tanto pela linguagem, mas pela excepcional oralização de seus textos. Ainda em 64, lançaria o seu segundo livro, “Os ciclos” (Massao Ohno Editor). 

Nessa fase “combativa” da Catequese Poética, Lindolf Bell apregoava numa espécie de manifesto: “O lugar do poema é onde possa inquietar”. Em outra passagem, afirma: “O lugar do poema é todos os meios de comunicação. O lugar do poeta é todos os lugares. O poema não é um fruto petrificado, impossível de trincar. E compete ao poeta, mais do que nunca, mostrar sua possibilidade de consumo”.  A Catequese Poética ganhava mais espaços e Lindolf publicou os livros de poemas “Convocação” (Ed. Brasil, 1965) e “A Tarefa” (Papyrus, 1966) e, ainda, a novela lírica “Curta primavera” (Brusco, 1966). 

Os anos 60 assistem ao primeiro recital de poesia em estádio no Brasil, realizado por Bell na PUC de São Paulo, enquanto são publicadas a “Antologia Poética de Lindolf Bell” (União, 1967) e a “Antologia da Catequese Poética” (Paulista, 1968). Nenhum texto, no entanto, inventariava tanto aquela época terrífica do Brasil sob o regime militar como o monólogo “O poema das crianças traídas”: “Eu vim da geração das crianças traídas./Eu vim de um montão de coisas destroçadas./Eu tentei unir células e nervos mas o rebanho morreu./(...) Eu ostentarei minha loucura erudita./Eu manterei meu ódio a todos os cetros, cifras, tiranos e exércitos/(...) Mas eu farei exceções a todos aqueles que souberem amar.”

“Mas eu farei exceções a todos aqueles que souberem amar”. Lindolf Bell conhece a escultora Elke Hering, com quem se casa em 1969, e ambos participam do “International Writing Program” na Universidade de Iowa, nos EUA, onde desenvolvem uma experiência performática com objetos, cartazes, dança, música, recital e nuvens de plástico.

Em 1970, Elke e Bell passam a viver em Blumenau, onde inauguram – com Péricles Prade – a Açu-açu, primeira galeria de artes de Santa Catarina. Desde então, Bell se tornaria um dos maiores ativistas culturais catarinenses dos 70s, promovendo as Coletivas de Arte Barriga-Verde e atuando na imprensa como crítico de artes visuais.

Dessa volta às origens surgiu o livro “As Annamárias” (Massao Ohno, 1971), ciclo de poemas de amor elogiado inclusive por Drummond. Ainda nos 70s, o poeta-ativista cria o primeiro programa televisivo de poesia na TV Coligadas de Blumenau (71); participa com poemas-objeto na 1ª. Pré-Bienal de São Paulo (72); e lança a 1ª. edição dos “Corpoemas”, camisetas de malha com poemas impressos em escala industrial, ampliando os veículos e os suportes de sua Catequese Poética.

Em 1974, resgata sua própria trajetória no livro “Incorporação” (Ed. Quíron), que reúne (sem cronologia exata) todos os livros anteriores – exceto “Curta Primavera”. E os anos 70 se encerram, para Bell, com uma visitação tocante ao seu imaginário telúrico.

Escrita em versos concisos, a poesia serena de “As vivências elementares” (Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1980) é das melhores criações de Lindolf, espécie de síntese de todos os seus ícones e lugares – o rio Itajaí-açu, o sonho, a terra, o tempo, a noite, as estações, as memórias, o amor e, sempre, a escrita do poema.

Ainda como um Evtutchenco catarinense – como era chamado, em referência ao ativista e poeta russo – declamou poesia para 5 mil pessoas no estádio do Marcílio Dias, em Itajaí (1980). Como dizia quinze anos antes, “o lugar do poema é onde possa inquietar”.

Inesgotável, Lindolf Bell lançou “O Código das Águas” (Global, 1984), premiado pela APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como o melhor livro de poemas do ano e, certamente, o livro que reúne alguns dos poemas mais extraordinários, compondo a tríade maior de sua poesia, ao lado de “As vivências elementares” e “As Annamárias”. Em “O Código das Águas” estão o desterro, o andarilho, o espelho, o minifúndio, a busca da palavra inaugural, a morte da mãe e o dilacerante “Poema para o índio Xokleng”: “Se um índio xokleng /subjaz/no teu crime branco/limpo depois de lavar as mãos./(...) Veste a carapuça/e ensina teu filho/mais que a verdade camuflada/nos livros de história”.

Entre suas últimas publicações estão os opúsculos “Setenário” (Sanfona, 1985) e “Iconographia” (Paralelo 27, 1993), além do álbum de poemas “Pré-textos para um fio de esperança” (Badesc, 1994). Traduzido para o inglês, espanhol, belga e italiano, Bell representou o Brasil no Festival de Poesia Falada de Medellín, Colômbia, em 1996, e participou do Festival del Sol, em Cuba, em 1997. Foram tempos de reconhecimento.

Bell faleceu em 10 de dezembro de 1998, ainda à procura “da palavra palavra”. A casa da infância – aquela mesma em que orgulhava-se dos inumeráveis ninhos na varanda e das ramagens de figos bíblicos, como dizia – tornou-se a Casa do Poeta Lindolf Bell em Timbó, responsável pela memória de seus escritos.

 Do poeta que desejava o poema onde pudesse inquietar, em todos os lugares, por meio de sua Catequese Poética, ainda vivem no presente o lirismo de suas palavras-lâmpada e a potência da voz que impressionou até Paulo Leminski: “Nunca tinha visto ninguém dizer poemas tão bem, com tanta intensidade, tanta garra, tanto domínio da voz, do gesto e do sentido”. Esse o legado de Lindolf Bell – um poeta “transitório, todavia infinito”. 

Dennis Radünz, escritor. Texto originalmente publicado no caderno Variedades do Diário Catarinense, edições de 19 e 26 de maio de 2008.

 
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