Falações, de Marcelo Labes. |
O publicitário e pós-graduando em Estudos Literários Rodrigo Oliveira resenha Falações, primeiro livro do escritor blumenauense Marcelo Labes. Falações é um volume de poemas deste autor que começou a publicar na internet e hoje desponta como um dos principais nomes da atual literatura produzida no Vale do Itajaí. Poesia Twist. Poemas com um toque de limão. Rodrigo Oliveira Quando eu era bem mais novo, havia um limoeiro em minha casa. Pequeninho, mas dava uns limõezinhos. E lá ia eu, catava um limão e, não muito esperto, chupava. Era azedo. Não tinha jeito de chupar aquilo sem fazer careta. E se tinha um corte ou uma afta na boca, pior ainda. Aquilo ardia como os diabos. E o pior é que depois de tudo isso, não tinha como não repetir o processo. E eu ficava ali. Chupava o limão azedo, fazia careta, ardia, mas continuava. Excluindo-se a possibilidade de eu ter sido uma criança não muito esperta ou possíveis tendências masoquistas, é mais ou menos isso que aconteceu quando comecei a folhear Falações, livro de poemas de Marcelo Labes. Não foi fácil ler Falações sem fazer careta. Labes destila um suco ácido e, com frequência, azedo. E eu cá com minhas aftas e cortes, volta e meia senti arder os versos do autor. Falações se divide em quatro momentos distintos. Altenatintas abre com o solitário Até Quando e já pincela os primeiros elementos melancólicos que vêm se repetir mais tarde, e lembra, como uma escada reta em caracol, que “não se pode voltar atrás / quando se diz que ama”. Fiação e Tecelagem traz a acidez na leitura da vida operária “de 8 horas trabalhadas / e 16 de aflição” que termina com “casa na praia encostada / carro do ano passado / e plena realização: / artrite artrose bursite / aposentadoria e caixão”. É seguido pelo azedo Manhã, difícil de engolir como a constatação “Por que não respondes? / Meu Deus, / estás fria!”. No capítulo se destaca ainda O Barco, que atenta em letras garrafais “NUMA CIDADE VITRINE / FORA DE TOM É PECADO”, num retrato de um barco que “porque não navega / não pode ser afundado”. Este poema, ao lado de Fiação e Tecelagem, torna difícil sair de manhã e não rever suas linhas nas ruas da cidade. Mas ainda assim, tudo parece passar voando, quase despercebido pela maioria. Como descobre Passarinho com seu final seco e despreocupado “Que foi isso? / e virou-se para o lado. / Passarinho na janela, / disse ela”. Assim fica mais fácil concordar com o narrador em Bi-bap-dera-nudara, que pede: “Acende, Maria, o pavio / e deixa a vida explodir”. O capítulo encerra escarrando suas verdades, tentando aparentemente expeli-las, livrar-se delas com Expectorante, que tenta com força “Cuspir fora saudade, lembranças. / Cuspir fora saudade, tristeza. / Cuspir e ver escorregar. / Verde”. Em Reflexscintos destaco o lírico Canção que parece, junto com Sapiência Cartesia uma tentativa do autor, não em definir-se, mas em encontrar-se. Chamou-me a atenção o fato de que, nos dois poemas, o poeta o é, através dos outros, nunca de si mesmo. Em Canção “Eu me chamo aquilo que dizes”, “Eu me chamo o nome que vais dizer”, “Eu chamo / a tua alegria / ao repetires o som / do meu nome” e em Sapiência Cartesiana “E os que me querem saber / acabam me sendo. / Sou todos os que me sabem eu”. O poeta, procurando encontrar-se, perde-se (ou finalmente encontra-se) no leitor. O autor deixa-se arrebatar novamente pela estética crua, curta e grossa no impactante In Vitro que encerra o beijo com trinta e dois dentes quebrados. A saudade também deixa sua acidez em Ontem e Simplificante, uma saudade que arde como limão em boca machucada. Febres traz uma série de dez poemas. O capítulo tem, evidentemente, certa unidade semântica e mesmo estética, mas esta é solta, flertando com o non sense, os poemas bastante independentes. Dentre as febres de Labes, chamo atenção para Febre#07 onde o tornar-se adulto é chato mas sem remédio, Febre#08 com o poeta em busca do grande poema, mas termina entregando-se “escreveria o grande poema / se soubesse por que”. O ótimo Febre#10 retorna com toda a acidez e inunda nossas chagas com o ardor da constatação: “Caíram-me os pêlos, / a origem insiste. / Bicho”. Febre#12 retoma o ataque ao “Produto financiado / por bandas de rock inglês / e poetas franceses / que não compreendes”. Por fim, intransiGENTES, encerra os capítulos num apanhado da obra. para paula (assim, em minúsculo mesmo) brinca com as palavras “plantandolorosamente um canto”. O Filósofoso “Tentou viver de ideias / e morreu de fome” e acabou por “pôr para fora as verdades / que só a ele pertenciam, e mais ninguém”. Em Iminência percebe-se “Que não valia a pena / viver sob certas iminências” e nos afogamos junto com os personagens. Mas em Findados o narrador ensina: “Vós, que morrestes, o mundo, / o mundo é sempre dos vivos”. E retoma com Cíclico sobre aqueles que se deixaram afogar: “(e há uma semana enterrado, / o que terá pensado / quando o primeiro verme matutino / veio lhe perfurar a coxa)”. Ainda assim Fatalidade parece lembrar que esse mesmo afogamento é inevitável: “Causa mortis: afogamento: não parava de chorar.” Retomando estas constatações Ratos encerra rápido, dinâmico (quase musical) e ainda ácido um apanhado de verdades roídas e a pré-ciência “Vai ter pesadelo, filhinho / e acordar com a casa inchada”. A obra conta ainda com um ensaio de José Endoença Martins, localizando Labes dentre os poetas blumenauenses. Vale a pena ler até para descobrir novos nomes da poesia de Blumenau. Ao espremer Falações, o leitor deve também se deparar com o mesmo sumo ácido que me chamou a atenção. E cuidado: se você também tiver algumas fissuras, a leitura pode lhe arder à boca. Se há algo de doce em Falações — e há, se dúvida — serve para aumentar o contraste com a acidez da obra. Mas se você for como eu, vai perceber que não é tão fácil largar Falações, mesmo fazendo careta. Talvez a resposta não esteja impressa no livro, mas uma pista descobri na página de rosto. Adquiri o livro do próprio autor, no lançamento, com o devido autógrafo e dedicatória. Como de costume, só li a dedicatória em casa, quando fui dar as primeiras folheadas no livro, no dia seguinte. E lá estava, na caligrafia de Labes: “Eu insisto: há que se escrever, há que se escrever mais. Vamos, então, adiante”. Talvez seja isso. Ainda que tenhamos o azedume e a acidez dos limões, é preciso escrever. É preciso ler. Afinal, como dizem por aí, se a vida nos dá a acidez dos limões, façamos, pois, limonada. Ou poesia. |
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