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Entrevista com o escritor angolano Ondjaki Imprimir E-mail

Por Ramon Mello
O escritor e poeta Ndalu de Almeida, nascido em Luanda, é mais conhecido pelo pseudônimo Ondjaki. E o que pouca gente sabe é que ele também é artista plástico e cineasta.
Com livros traduzidos para diversas línguas - como o francês, inglês, alemão e italiano -, Ondjaki foi o único autor africano entre os 10 finalistas do Prémio Portugal Telecom de Literatura 2008.

O primeiro contato para a entrevista com Ondjaki ocorreu em 2007, na época do lançamento do livro Os da minha rua (Língua Geral), no Brasil. Mas o retorno para a conversa só ocorreu em meados de 2008, com a exigência que fosse realizada por e-mail.
Quando você começou a se interessar por Literatura?

Ondjaki. Não sei precisar... Cedo, se é que não foi tarde. Treze ou 14 anos. Já lia algumas coisas, entre "asterixes" e outros quetais. Depois vieram Garcia Marques, Graciliano Ramos, Sartre. E assim foi. Mais tarde, a poesia e os contos.

Você nasceu em Luanda. Como foi a sua infância?

Ondjaki. Foi boa, tranquila. Algumas das dificuldades que hoje aponto como dificuldades, nem sequer o eram naquela altura. Vida simples, entre a escola e casa, o carinho da família, a sociedade luandense com o regime socialista que sempre gera peculiaridades. Gostei muito de ter crescido em Luanda, no seio da minha família e daquela sociedade, com algumas limitações mas também estórias da revolução e os professores cubanos.

Você também é artista plástico. Como é essa relação da literatura com as artes plásticas?

Ondjaki. Acho que nunca fui. Pintei pouco, expus pouco, e no fundo acho que nem sei pintar. Foi só uma aventura. Faço essas coisas para regressar à escrita. São como que excursões (ou incursões?) em outras áreas para voltar sempre aos livros. Observo, experimento, e volto à casa. A minha casa é a escrita.

O que você gosta mais de escrever: romances, contos ou poesias?

Ondjaki. Não sei se poderia falar de gostar mais. É mais o que acontece. E é verdade que acontece mais escrever prosa, romances ou contos. Continuo a escrever poesia, publico-a menos. Mas adoro escrever e ler contos. Cada vez fica mais difícil, à medida que vamos aumentando a maturidade e a consciência de que escrever não é de todo fácil.

Fale um pouco sobre o movimento cultural da Angola.

Ondjaki. Atualmente vive-se um momento interessante. Em todas as áreas, da literatura à música, passando pelo teatro. Começa a haver mais consciência por parte do Estado da necessidade de investir na arte como factor de desenvolvimento do país. Criam-se, portanto, mais fundos de apoio, mais possibilidades. Penso que a música sempre foi a arte mais viva, mais ligada ao contemporâneo e ao relato de situações sociais concretas. A música é muito imediata em Angola, falando do que se passa nas grandes urbes. A música tradicional, sobretudo do interior de Angola, está menos gravada, e menos divulgada também. Mas Angola vive um “boom” econômico e social muito interessante, e a arte, timidamente, acompanha essa movimentação.

Como é publicar fora do seu país?

Ondjaki. Suponho que seja bom. Acho que é um modo de nos confrontarmos com a leitura que outros fazem das nossas artes. Eu comecei, quase em simultâneo, a publicar em Angola e Portugal. Depois alguns países europeus, depois o Brasil. Acho que é positivo e faz com que as editoras pensem em livros de outros autores, não só angolanos como africanos. Isso parece-me extremamente positivo. Há uma grande riqueza na literatura africana que ainda não é muito divulgada fora das nossas fronteiras.

Do que mais gosta no Brasil? Qual foi a experiência mais marcante?

Ondjaki. Para dizer a verdade, eu levo muitos anos para começar a conhecer um lugar. O pouco que eu conheço do Brasil é sobre amigos e os poucos lugares que conheço a um nível muito personalizado. Não dá para grandes “pinceladas generalizantes”. Mas há um ritmo de vida que é marcante, com o qual procuro aprender. Há um ritmo de descontração e de bom relacionamento com a vida que é quase generalizado na nação brasileira. Isso é muito positivo, faz pensar na vida e no modo de me relacionar com ela. Há uma “certa” abertura, no Brasil, para se discutir questões importantes, como a desigualdade social, o racismo, as favelas, as diferenças de classe, que é uma ideia muito interessante. É tímida, essa discussão, como em muitos outros lugares, mas acontece. E em muitíssimos outros lugares ela nem sequer acontece. Há que se reconhecer isso, e procurar intensificar essa discussão aberta em torno das questões mais marcantes do nosso tempo.

Você está morando no Brasil?

Ondjaki. De momento estou a viver um ano no Brasil, no Rio de Janeiro, a escrever. Estou envolvido com um projeto antigo e outro mais recente, enfim, seguindo também com os habituais compromissos para este ou aquele jornal. Estou a gostar muito. Viver num lugar faz com que se preste atenção aos detalhes, às pessoas, à linguagem, aos preconceitos. Daí temos um pouco mais de acesso à cultura do lugar.

O que você pensa sobre a situação do refugiados africanos?

Ondjaki. Tenho muito poucas informações sobre isso, infelizmente. O que sei, leio nos jornais, sobretudo jornais europeus. Penso que tem que ser debatida a questão, e tem que se pensar, obviamente, no modo de acolher os refugiados, sem esquecer o que os faz abandonar o seu lugar de origem. E sobretudo, de uma vez por todas, entender que qualquer ser humano tem um direito básico à dignidade.

Você estudou Sociologia em Lisboa. Como foi viver em Portugal?

Ondjaki. Foi interessante. Aprendi muito, e eu era um jovem adolescente àquela altura, estava também a formar-me como pessoa. Tive acesso a muita poesia, a muitos filmes, e foi lá que estudei a tal de Sociologia. Sobretudo a minha vivência em Portugal deu-me uma coisa de valor incalculável: devido ao contato com as culturas de Portugal, de Moçambique, de Cabo Verde, da Guiné, etc., pude libertar-me de muitos dos preconceitos que me acompanhavam. Aprendi a conhecer e a entender melhor os portugueses e a livrar-me de alguns mal entendidos históricos que carregava em mim. A convivência com pessoas de outras nações fez-me crescer na direção de uma maior abertura social, de um melhor entendimento do “outro” enquanto ser cultural, portanto apegado também aos seus próprios preconceitos. Fiquei muito interessado na grande diversidade dentro da Língua Portuguesa, tomei um grande gosto e interesse pelos sotaques de toda esta gente e refiz, em mim, a dimensão que tinha da Língua.

E o que você lê de Literatura Brasileira?

Ondjaki. Leio o que me vai aparecendo e algumas das coisas que já comprei há alguns anos. Continuo a tentar conseguir tempo para ler Clarice e Guimarães Rosa. Leio Manoel de Barros. Também leio Marcelo Moutinho, Cláudia Roquette-Pinto, João Paulo Cuenca. Adriana Lisboa. Luiz de Assis Brasil, Veríssimo, Eric Nepomuceno. Paulinho Assunção e Luiz Ruffato. André Laurentino e Tabajara Ruas. Vou lendo como me descubro nas suas páginas, não há vida que chegue para tantos livros.

Como é o seu interesse por Matsuo Bashô? Você escreve haicais?

Ondjaki. Decobri Matsuo há já alguns anos. Por acaso, numa livraria em Lisboa, se bem me lembro. Li poesia e diários de viagens dele. Li alguns outros nomes que depois se relacionam com o dele. É de uma profundidade assustadora, para quem gosta do gênero. Eu escrevo poucos haicais, porque não tenho essa capacidade. Mas muitas vezes, ao longo da vida, me lembro de Matsuo, acho que ele tem esse dom de nos acompanhar. Era e é um sábio.

No seu livro Bom dia, camaradas você fala dos professores cubanos. Como foi essa experiência da presença dos cubanos em Angola?

Ondjaki. Precisaria de dois livros para falar disso. Um já o escrevi, você acaba de citá-lo. O outro, quem sabe um dia eu venha a escrevê-lo. A experiência foi fantástica, perturbadora enternecedora ao mesmo tempo. Só me apercebi da dimensão dessa experiência muitos anos depois, agora que aplico algumas das coisas que eles me passaram. Era gente muito honesta, muito íntegra, coerente, simples. Qualidades que hoje em dia são cada vez mais raras. É gente que realmente foi ajudar os angolanos por uma questão de solidariedade. Mas hoje em dia já poucos sabem, afinal, o que significa essa palavra. Tenho um sonho: reencontrá-los um dia destes. O camarada professor Ángel e a sua esposa, Maria. Passar uma tarde com eles, conversando, lembrando, talvez chorando. Abraçá-los. Queria tanto voltar a abraçá-los.

Seu país já esteve 30 anos em guerra civil. Como você observa a violência no Brasil?

Ondjaki. Não tenho conhecimentos suficientes para falar da violência do Brasil. Sobretudo porque o Brasil são várias nações, portanto deduzo que as soluções deverão aparecer em várias frentes. A violência “do Brasil” não é exclusiva do Brasil, poderemos falar da Colômbia, de vários países africanos e ate de países europeus. Mas é como a questão ecológica: há que debater e ir experimentando soluções. Soluções que não sejam apenas pílulas de consumo rápido para período pré eleitoral. Considerar os aspectos do presente, mas sobretudo os do futuro. O que faremos para prevenir? Qual a intervenção ao nível da educação e da distribuição de riqueza? Quando houver seriedade no debate, talvez as soluções apareçam com maior clareza.

Quais são as suas maiores influências?

Ondjaki. Não saberia dizer. Mas são os livros que me fazem sonhar e também os que me assustam pela sua assombrosa qualidade. Normalmente, eles coincidem.

Como acontece o seu processo de criação?

Ondjaki. Não sei explicar muito bem. Algumas coisas são mais planificadas do que outras. Os contos e a poesia são menos planificados. Mas isso é conversa de escritor. Nem sei se interessa.

Por que escrever?

Ondjaki. Ainda não sei muito bem. Talvez para contar estórias. Talvez para aplacar algumas urgências próprias.

Actu Sanguíneu (poesia, 2000); Bom Dia Camaradas (romance, 2001); Momentos De Aqui (contos, 2001); O Assobiador (novela, 2002); Há Prendisagens Com O Xão (poesia, 2002); Ynari: A Menina Das Cinco Tranças (infantil, 2003) ; Quantas Madrugadas Tem A Noite (romance, 2004); E Se Amanhã O Medo (contos, 2004); Os da minha rua (contos, 2007). De todos os seus livros publicados qual o seu predileto? Por quê?

Ondjaki. Não tenho um livro predileto. Gosto muito do Bom dia, camaradas porque o acho um livro muito sincero. Gosto também do Quantas madrugadas... porque me deu muito trabalho e fez-me crescer como escritor. Mas não há um só livro preferido.

Você já sofreu preconceito por ser africano?

Ondjaki. Algumas vezes, mas não muitas. O preconceito está em toda a parte, em todos os lugares, e como sou mestiço sofro algum tipo de preconceito ou por não ser muito claro ou por não ser muito escuro. É uma condição e convivo bem com ela. Sou mesmo mestiço, nunca pretendi ser outra coisa, e tenho a grande felicidade de ter crescido perto de pessoas de todas as raças e de todas as cores de pele. De fato, sinto-me feliz porque dentro de mim isso não é uma questão. Os outros que percam tempo com essa preocupação.

Como é a sua relação com Internet? Você tem blog?

Ondjaki. Não tenho blog. A minha relação com a internet passa pela leitura de notícias e pelos e-mails. Tenho amigos em muitas partes do mundo e procuro através dos e-mails aplacar um pouco de uma saudade crônica que me invade quase diariamente.

Existe "Literatura de Internet"?

Ondjaki. Penso que sim.

O que você pensa sobre as mudanças nas normas de escrita para unificar os países de Língua Portuguesa? Os países não perdem a identidade?

Ondjaki. Acho que não se perde identidade por escrever de um modo ligeiramente diferente. Mas acho que a questão deveria ter sido melhor debatida.

Como foi o processo de publicação dos seus livros? Está satisfeito com a editora Língua Geral?

No Brasil isso vai acontecendo aos “saltos”, digamos assim. A AGIR decidiu não continuar com a publicação dos meus livros depois de Bom dia, camaradas, sendo que até hoje, para dizer a verdade, não entendi muito bem porquê. A Língua Geral tem um projeto muito interessante e trabalha muito bem os livros. Sim, estou satisfeito com o trabalho deles, em breve lançaremos um livro infantil.

O que você aconselharia aos jovens que desejam ser escritores?

Ondjaki. Não há uma receita. Ler parece ser um bom começo. Continuar a ler, parece ser uma boa solução. Trabalhar, isto é, encontrar um modo de continuar crescendo, parece também uma boa direção. Mas não há soluções. Cada um sabe de si...

[Entrevista realizada por Ramon Mello e publicada originalmente no BLOG CLICK(IN)VERSOS]

 
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