Breve história da literatura blumenauense |
Neste artigo o escritor Marcelo Labes, autor de Falações, lança seu olhar crítico sobre a história da literatura praticada a partir de Blumenau e, desafiadoramente, questiona: existe uma história literária em Blumenau? BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA BLUMENAUENSE (se a houver e a quem interessar possa) Marcelo Labes Pois que vivemos em uma cidade assim: pequena, em fase de decrescimento; colonizada e ainda não emancipada; geográfica e culturalmente cercada de montanhas onde o vento não chega a soprar. Se metaforicamente Blumenau é uma cidade estagnada, o que se pode esperar na prática? Creio que não muito. Mas vamos falar de literatura. Crê-se que a literatura começou por aqui ainda no século XIX. Ainda que se ativesse à literatura colona de nostalgia do país de origem, já pelos 1860 começava a haver uma escrita voltada para a localidade de onde se escrevia. Seguindo a tendência romântica, o escritor local evocava a natureza brasileira e sua família guerreira. Fossem naturalistas, deus nos livrasse de lermos a realidade dura de quem se embrenhou por esse buraco quente no meio da Mata Atlântica.
Acontece que chegou 1922, a Semana de Arte Moderna que inaugurou oficialmente a evolução poética brasileira e Blumenau pareceu não receber a notícia. Estariam muito mais preocupados com o rio, que poderia transbordar de uma hora para outra, com o movimento integralista — ramificação local do nazismo de Hitler — ou, posteriormente, com a castração nacionalista de Vargas que os impedia de continuar a ser estrangeiros no Brasil. A realidade bateu à porta do povo germânico local. Mais um motivo para agarrar-se aos braços do romantismo e sofrer como os jovens idealistas franceses de quase duzentos anos antes. Blumenau sofreu com o nacionalismo, mas não muito. Em breve, com a ditadura militar, conheceria o fenômeno mais interessante de sua história: o vigor da indústria têxtil e o milagre econômico que fez boa fração da população local conhecer o conforto gerado pelo milagre econômico. Por essa época, uns baianos estavam cantando tropicalismos verdejantes. Pelo Brasil, ecoavam superevoluções ou revoluções culturais, tendo como nomes Gil, Caetano, um Chico “poeliticamente” mais emocionante do que nunca; havia Mutantes e tudo o que isso pode querer dizer; havia Glauber Rocha e Neville d´Almeida; havia Hélio Oiticica. E houve, principalmente, porque falamos de literatura, PanAmérica, de José Agrippino Soares, um livro — porque não se pode denominá-lo romance ou qualquer outra coisa — que fez tanto quanto Guimarães Rosa e seu Grande Sertão, mas fez mais: Agrippino chegou àquilo que se chama reflexão sobre a modernidade, evocando o caos, a violência e o prazer gratuito do sexo para explicar a vida metropolitana que ultrapassaria as barreiras do real, como nos dias de hoje. No entanto, com tanta coisa acontecendo, as coisas por aqui iam bem. Empresas como Artex, Teka, Sulfabril e Cia. Hering tinham em seu rol de empregados gente suficiente para transmitir o pensamento operário pelo ar. A estagnação, o silêncio e o etilismo tornaram-se endêmicos e, pelo que se percebe hoje, incuráveis. Nos anos de 1980, finalmente uma esperança. Enquanto Lindolf Bell colhia os frutos plantados por sua Catequese Poética — embora interessante o movimento de Bell, sua poesia não deixou nunca de estar impedida de fazer pensar pelos morros que circundam Blumenau — um grupo de poetas ditos experimentalistas iniciavam um movimento tímido para a mídia, mas talvez o mais importante dos 156 anos de história dessa cidade: tendo o moderno surgido em no início do século XX e tendo já passados oitenta anos desse apogeu, era hora de a poesia superar a própria poesia e seu tempo. Com nomes como de José Endoença Martins, Douglas Zunino, Mauro Galvão e Dennis Radünz, a cena poética não possui apenas pensadores, mas provocadores da teoria literária, sobretudo provocadores de um público leitor — leitor? — acostumado às convenções de facilitação da leitura. Pela primeira vez, a nau do pensamento vai de encontro ao mar-mundo. Blumenau deixa de ser o centro do universo de quem escreve e lê poesia. A década seguinte, de 1990, é marcada pela efervescência literária. Surgem nomes como o de Tchello d´Barros e seus poemínimos, grande responsável pela criação de uma agremiação literária a qual se deu o nome de SEB, Sociedade Escritores de Blumenau. É por esses anos que é criada também a ALB, Academia de Letras de Blumenau. Num respeitado jornal catarinense, pôde se ler a mais complexa intriga escrita entre membros das duas agremiações. Pois que na ALB não constava nenhum escritor da SEB e ambas não se reconheciam como parceiras, mas como concorrentes. O início do século XXI, se encarado como um período de forte simbologia pós-moderna, fez a literatura em Blumenau virar de pés para o ar. Contando com uma Sociedade de Escritores que não escrevem — se levarmos em conta a teoria literária de Roman Jakobson, para quem a literatura representa uma “violência organizada contra a fala comum” — a não ser o óbvio dentro da forma mais óbvia: prosa fútil representada em versos esquálidos e uma Academia Literária oficializada cujos escritores não figuram como intelectuais, muito deixou de se fazer em prol da boa literatura. Há ainda resistência. Urda Alice Klueger e Viegas Fernandes da Costa são nomes muito importantes. Urda, romancista romântica, mas cronista política de grande ação, ao mesmo tempo em que não deixa de lado a nostalgia — ou seria um retorno crítico ao passado infantil? — mostra-se atenta a fatos para os quais a mídia de massa brasileira não dá importância, sobretudo na temática social. Viegas escreve. Escreve e isso quer dizer muito, principalmente em se falando de um historiador com formação esquerdista — hoje apenas politizada — que vaga entre o erótico e o social com muita astúcia. A essa altura, devem estar surgindo em Blumenau mais uma ou outra sociedade literária; resistentes devem estar escrevendo sobre o que acontece às suas voltas e eu componho este breve resumo. Mas uma pergunta deveria tocar os ouvidos de todos: para onde vai a literatura blumenauense? Se a houver, é claro.
|
< Anterior | Próximo > |
---|