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O poeta(s) e a poesia(s): Pequena fala sobre o poeta Douglas Zunino Imprimir E-mail

fotoNeste breve ensaio o escritor Marcelo Labes analisa a poesia do poeta blumenauense Douglas Zunino, publicada nos livros “Tatuagens” e “Cidadela”.

 

O poeta(s) e a poesia(s): Pequena fala sobre o poeta Douglas Zunino

 

Marcelo Labes

(Escritor, autor do livro de poemas “Falações”)

 

Para falar do poeta blumenauense Douglas Zunino, é necessário voltar a falar do dualismo teórico-literário da criação escrita em Blumenau. Dentro desse dualismo, a literatura blumenauense divide os escritores blumenauenses em antropófagos (que se alimentam de e para Blumenau) e os anoréxicos, que tiveram de experimentar novos pratos ou morriam mesmo de fome – e nunca mais lhes caiu bem o enxaimel com chucrute. Foi a respeito do que escrevi no pseudo-ensaio Literatura Blumenauense: Duas Leituras Possíveis e que não quero repetir aqui. No entanto, Zunino instiga a pensar novamente sobre esse dualismo, o que farei tentando encontrar para ele, dentro dessa proposta, um lugar dentro da literatura blumenauense.

A literatura contemporânea tem características bem marcantes. Potencializada pelo pós-modernismo, que ao mesmo tempo afirma e nega o modernismo, a literatura contemporânea chega mesmo a ser antitética, principalmente se focamos nossa fala na poesia. Características como a antiarte em resposta à arte; a forma negando o conteúdo; a metalinguagem literária falando a não-poetas e não-escritores são características que fazem da literatura pós-moderna instrumento tanto de encanto como de negação.

Douglas Zunino, por si só, já é antitético: tenta viver de poesia. Poeta de rua — que é, certamente, na rua onde é mais fácil encontrá-lo — o poeta faz parte do folclore da cidade como o marginal que não se ajustou às normas e mesmo assim sobreviveu. Mas vamos falar de literatura. Lendo os dois últimos livros de Zunino (Tatuagens e Cidadela) encontrei falas que se opõem, às vezes velada e às vezes vorazmente. Sendo o primeiro de, provavelmente, 2004 (não há data no livro) e o segundo certamente de 2007, percebemos que não há uma grande distância entre as duas publicações.

Em Tatuagens, Zunino deixa claro que ser poeta (e só) não é uma tarefa fácil, pelo contrário. Assim percebemos em Profissão de Fé: “poeta anda / na corda bamba”, “poeta paga o pato / e o leva pro almoço”, “poeta dá o sangue / por uma história”. Da mesma forma como, no mesmo poema, declara a escolha pela ‘profissão’ que exerce é questão de opção: “poeta morre de fome / mas não entra / em panelinha”. Em oposição, no entanto, em Cidadela, Zunino questiona: “Mas será o poeta / necessário? / Ninguém precisa de mim”.

Em relação a Blumenau, Zunino contrapõe-se fortemente. Começo por falar de Cidadela, poema-título de seu último livro. O poema, soube, foi louvado na câmara de vereadores da cidade no Dia do Poeta: dele foi feito um vídeo com imagens da cidade e do próprio Zunino. Ressalto alguns trechos:


“Tuas ruas
Estão em minhas veias.
Quando me percorres
E te percorro

(...)

Quando, por um breve

Espaço de tempo

E lugar

Estou fora de ti,

Sinto saudade

(...)

Te sinto
Em meu exílio

(...)

Minha cidadela,
Minha utopia”


Zunino, neste livro, irrompe em elogios à sua terra. A mesma terra que, em
Tatuagens, vê-se como a cidade que tem flores, mas cujos moradores são duros como pedras (Poema no Asfalto). Da mesma forma, ainda em Cidadela, Zunino contrapõe-se ao citar o rio (há um rio-símbolo nessa cidade) como “um mar / escuro / lodoso (...) o oceano / que já dominava / nossa rua / nosso bairro / nossas vidas” (Nossas Vidas) e, na volta ao tema, pede a esse mesmo rio que leve sua saudade, sua tristeza — que leve “a dor inata de existir”. A mesma cidade, o mesmo rio.

Tentar situar Zunino dentro da teoria literária blumenauense é uma tarefa um tanto difícil. Melhor deixá-lo mesmo onde está: no tempo presente. Pois que não se deve, pelo menos por enquanto, para não cairmos no possível erro de classificá-lo como antitético. Melhor encontrar a resposta desse “cidadelismo” que surge na poesia de Zunino dentro de seus próprios poemas: (...)“fomos buscar / o que está além / da linha do horizonte (...) para nos lembrar / de como éramos antes”. (O Arco e a Ponte in Cidadela).

E a quem ousar o contrário, uma dica: Zunino avisa em Pra Rapaziada do Rock and Roll, de Tatuagens, a todo aquele que faz postura de inteligente, pinta de interessante, assiste peça “vanguardinha” e escreve versinhos, para cair fora. É a forma mais fácil, parece, de manter-se desencontrado inclusive por outros poetas. Afinal, é o que deve esperar quem tem como “herança / uma folha de papel / amante / a ilusão de ser / importante”. (Inventário, in Tatuagens).

 
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