Poética e evasão em Particularidades |
O jornalista e mestrando em Educação, Tiago Ribeiro, resenha o livro de poemas "Particularidades", obra de estreia da também jornalista Nane Pereira.
Poética e evasão em Particularidades Tiago Ribeiro
São três os anos de partida que dividem cada capítulo em Particularidades, o primeiro livro de Nane Pereira: Particularidades I (1996); Particularidades II (2007) e Particularidades Cores (2009). Ao deixar todos poemas datados, a autora não me parece ingênua a fim de que os números sejam apenas um determinante temporal em sua poesia. Se abrirmos os olhos sobre a ordem cronológica dos poemas, lê-se um desaparecer sutil de interrogações e reticências onde seus pontos finais assumem caráter dominante no desfecho dos poemas. Este detalhe me ajudará a chegar, relativamente como disse Bandeira, a abordagem, ao que me parece, sobre uma maturidade crescente na poética de Nane Pereira a partir deste seu primeiro livro. A esta altura, já poderiam se perguntar os leitores: o que quer este cara ao falar dos três pontinhos que tanto os usou o mestre Mario Quintana? Se o gaúcho de Alegrete dizia que “as reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho”, Nane não parece diferente. Este detalhe nos ajuda a compreender uma certa mudança de ritmo nos poemas que, no decorrer do livro, vão se distanciando do tom da incerteza, de interrogações e pensamentos flutuantes, até a sensibilidade deste leitor que aqui escreve. Do primeiro capítulo, reproduzo o poema Atrocidade onde encontramos, além da singular relação da autora com o seu ambiente, a exposição de juízos, feia e melhor; e estados; euforia, vazio e vaidade que nos ajudam a exemplificar a incidência de uma racionalidade decisiva que se manifesta de modo mais geral em sua poesia a partir de então: Os ratos continuam roendo minha seda O barulho do ventilador é música feia. Deitada neste colchão corroída pela vaidade Volte euforia! (31.12.06) Neste poema, temos o que me parece uma atitude mais consciente do fazer literário da autora, de modo em que o escrever não é mais uma tentativa de encontrar repostas para suas neuroses, como diria Deleuze, mas, como tento expor, um solidário fazer ao leitor buscando expressar sua vivência a partir da arte. Ainda em consideração ao poema Atrocidade, aponto-o como referência à dolorosa visão sobre a existência que a autora frequentemente mantém em sua obra. Mas uma visão que pode inocentemente ficar desapercebida aos leitores mais aligeirados, uma vez que, por meio de metáforas, a poeta empresta sua complexidade vivida à simplicidade dos objetos da natureza onde suscita a sua poesia. Por este aspecto, é aceitável que evidenciemos a relação constante que a poeta mantém com seres exteriores a si, na natureza, humanizando os objetos e fazendo-os pertencer ao seu campo poético. Mas, falar em campo poético não significa enquadrar a poeta dentro de uma gaveta onde possam ser apontados seus limites. Significa, sim, afirmar o conjunto de objetos que acendem a sua poesia; a substância que, por seu aspecto de estranheza e novidade em frente aos nossos olhos, nos coloca em choque contra a banalidade no modo em que vivenciamos o mundo. Com isso, fujo de uma avaliação estética e teórica que, como já disse o poeta Gullar em entrevista ao escritor Ivan Junqueira: “não me importa se o poema é ultramoderno, moderno, pós-moderno ou submoderno. Nenhum poema é bom se não tiver algo de novo dentro dele”. A novidade que Nane Pereira nos traz em Particularidades está no modo em que as particularidades da autora se confundem e buscam relações nos elementos exteriores a si. É por descuido que possam surgir comentários de Nane Pereira como poeta dos gatos, dos grilos, das formigas ou de quaisquer bichos à sombra de um jardim. Como fenômeno da linguagem, é possível dizer que a poesia, inevitavelmente, é dependente de disposições de espírito muito antes, sequer, de estar sujeita à dependência sobre o espaço ou objeto em que é produzida. A partir deste apontamento, tomando como base o espectro doloroso que faz parte da obra, há uma “curiosa fuga” que fundamenta o que de novidade a obra nos traz. Poemas como Confortavelmente em Paz, Acônito, O Tombo, Conflito e, ufa!, Lantana demonstram um laço comum estabelecido por meio de angústias que culminam em evasões. Evasões, digo, para a natureza. Estes poemas se encerram sugerindo a fuga da autora para além do seu espaço, uma vez que parece procurar no vento, nas estrelas ou nas folhas um amparo onde, ao que me sugere, mora a contundência que me permite chamar Nane Pereira de poeta. Acônito Esse agosto de desgosto nada teve. De gosto (11.08.08) |
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