“Maria erótica e o clamor do sexo” |
Recentemente uma série de pesquisadores vêm se debruçando sobre temas até há pouco considerados indignos de análises sérias e sistemáticas, dentre estes, o universo da pornografia. “Maria Erótica e o clamor do sexo: imprensa, pornografia, comunismo e censura na ditadura militar, 1964-1985”, livro escrito pelo jornalista Gonçalo Júnior, insere-se nesta relação de pesquisas sobre temas inusitados, mas que muito revelam a respeito da nossa sociedade. “Maria erótica e o clamor do sexo” Viegas Fernandes da Costa Recentemente uma série de pesquisadores vêm se debruçando sobre temas até há pouco considerados indignos de análises sérias e sistemáticas, dentre estes, o universo da pornografia. “Maria Erótica e o clamor do sexo: imprensa, pornografia, comunismo e censura na ditadura militar, 1964-1985”, livro escrito pelo jornalista Gonçalo Júnior e publicado pela Editoractiva Produções Artísticas em 2010, insere-se nesta relação de pesquisas sobre temas inusitados, mas que muito revelam a respeito da nossa sociedade. Gonçalo Júnior possui mais de uma dezena de livros publicados, e seu olhar recai principalmente sobre a história da imprensa e da cultura de massas no Brasil. Dentre seus títulos podemos destacar “A guerra dos gibis” (2004), “O homem-Abril” (2005) e “Enciclopédia dos monstros” (2008). “Maria Erótica e o clamor do sexo” segue a mesma linha e é apresentado pelo próprio autor como o segundo volume de “A guerra dos gibis”, já que conta a história de duas das principais editoras brasileiras que publicaram quadrinhos eróticos nacionais durante a ditadura militar (1964-1985), Edrel e Grafipar. A narrativa se constroi a partir da trajetória de dois personagens que, na perspectiva de Gonçalo, foram os principais responsáveis por imprimir uma marca de originalidade na produção quadrinística tupiniquim, Minami Keizi e Claudio Seto, e apresenta um rico panorama do mercado editorial e da produção cultural durante os tempos de exceção. Minami Keizi e Claudio Seto, descendentes da imigração japonesa, tinham o mesmo desejo: a realização profissional por meio da criação artística de quadrinhos. Não se conheciam e provinham do interior paulista. Ambos, entretanto, foram influenciados pelos mangás que leram na infância, e buscaram em São Paulo alguma editora que soubesse reconhecer o talento que acreditavam possuir. Apesar das muitas dificuldades, conseguiram se estabelecer, dedicando suas vidas à produção de histórias em quadrinhos e revistas populares, principalmente de sexo. Os caminhos de Minami e Seto se cruzaram depois que o primeiro, então proprietário da Editora Edrel, viu em uma publicação publicitária as ilustrações daquele que seria seu principal colaborador, e resolveu contratá-lo, em 1967. Na década de 1980 Seto tornou-se um dos principais quadrinistas brasileiros. O que parece mera história de superação pessoal, ganha contornos imprevisíveis na abordagem de Gonçalo Júnior, que consegue estabelecer as relações entre as trajetórias dos seus personagens, o mercado de publicações populares e a censura prévia na imprensa brasileira. O que o autor alcança com “Maria Erótica” é uma grande reportagem sem pretensões historiográficas, já que falta ao livro a verticalidade de interpretações a respeito dos fatos que são apresentados. Também há um aparente descuido com o texto, que em alguns momentos apresenta problemas de organização e em outros de foco narrativo, situação em que o leitor é conduzido por caminhos que terminam por não se justificar. Tais problemas, entretando, são superados pela imensa pesquisa realizada ao longo de dezoito anos e pelo ineditismo do trabalho, justamente por tomar como objeto um produto cultural considerado descartável, já que Minami e Seto trabalharam produzindo publicações que se estabeleceram no mercado através de preços populares e conteúdos ligados ao sexo. Assim, a recuperação da trajetória de revistas como as eróticas “Peteca” e “Rose”, publicadas pela Grafipar, ou “Garotas & Piadas” e “Estórias Adultas”, publicadas pela Edrel, ajudam a compreender o contexto político, social e cultural em que se inseriram. Vale lembrar que Edrel e Grafipar, apesar da grande quantidade de títulos e exemplares que publicaram, nunca alcançaram o prestígio e capital político das grandes editoras, com as quais concorriam. No caso da curitibana Grafipar a situação era ainda mais peculiar, já que constituiu-se fora do eixo Rio-São Paulo. Ainda assim, no início da década de 1980, reuniu alguns dos melhores quadrinistas brasileiros. Daí a importância do trabalho de Gonçalo Júnior. Ao escrever sobre personagens e editoras até certo ponto marginais no mercado editorial, recuperou também publicações que correm o risco de desaparecer, já que dificilmente encontram o interesse dos arquivos públicos e se perdem disperas pelas poucas coleções particulares que ainda as preservam. Outro elemento que chama a atenção em “Maria Erótica” é o cuidado e dedicação dos profissionais que trabalhavam para estas pequenas editoras. Ainda que mergulhados numa lógica de trabalho fabril e febril de textos e ilustrações, com prazos apertados e conscientes de estarem produzindo publicações que visavam o consumo imediato e, na maioria das vezes, descartável, preocupavam-se por apresentar inovações, fosse no traço, fosse no conteúdo. Para além do mercado, do descartável, Minami, Seto e muitos outros quadrinistas praticamente anônimos buscavam realizar arte e oferecer ao público um produto cultural legítimo. Por fim, resta dizer que poucos são os trabalhos que conseguem dimensionar a gravidade da censura prévia no Brasil. “Maria Erótica e o clamor do sexo” consegue, e só por isso já mereceria nossa leitura atenta. No saldo, Gonçalo Júnior, ainda que bastante descritivo e superficial em suas análises, tem o mérito de instigar o interesse e apresentar elementos para pesquisas que se proponham a também olhar para estas publicações aparatemente de pouco valor, mas importantes para a constituição de um olhar inédito a respeito de nossa história política e cultural. |
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