Livros proibidos, ideias malditas |
Edison Lucas Fabricio, mestre em História e professor universitário, resenha o livro “Livros proibidos, ideias malditas: o Deops e as minorias silenciadas”, da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro. Na obra, Carneiro apresenta a história da censura ao livro impresso no Brasil com base nos arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo. Entre estratégias e táticas: por uma história da censura Edison Lucas Fabricio Maria Luiza Tucci Carneiro desde 1972 atua como professora de história na Universidade de São Paulo. Como pesquisadora do CNpq desenvolve o projeto “Caminhos do impresso revolucionário no Brasil, 1924-1945”. É autora de muitos livros, dentre os quais destacamos: “O anti-semitismo na Era Vargas: fantasmas de uma geração 1930-1945” e “Minorias Silenciadas. História da Censura no Brasil”. Carneiro é autora também de “Livros proibidos, ideias malditas: o Deops e as minorias silenciadas”(Estação Liberdade, 1997), no qual mostra em minúcias como o controle da cultura se tornou uma questão de Estado. O difícil trato da democracia no Brasil republicano foi caracterizado por uma “purificação” da sociedade através da censura, da violência simbólica e, em casos extremos, da violência física e psicológica. A história da censura no Brasil pode ser encarada como uma dimensão do autoritarismo instalado pelo “estado policial” que promoveu o medo e a intolerância. Através do cerceamento das ideias as autoridades republicanas definiam o lícito e o ilícito, o proibido e o permitido, em última instância, o bem e o mal. A autora busca dialogar com autores que escreveram sobre a circulação de literatura sediciosa, como Robert Darnton, e com Roger Chartier, especialista em história da leitura. A obra não é divida convencionalmente em capítulos, mas em subtítulos (aqui reproduzidos entre colchetes). Em [Intelectual sob suspeita], a autora mostra a preocupação com aqueles que se propusessem a fazer a “revolução pelas palavras”, fossem elas escritas, faladas ou impressas. No entanto, essa não foi apenas uma característica do século XX e do Brasil. A “purificação da sociedade ameaçada de ser corroída por idéias heréticas” foi prática comum na inquisição medieval, durante a Idade Moderna (especialmente em Portugal e Espanha), na Alemanha nazista, etc. A apreensão do autor geralmente era acompanhada da queima de sua obra. Tal prática incitava as práticas de leituras secretas, gráficas clandestinas e circulação camuflada de obras ditas subversivas. Tanto os “homens do poder”, quanto os revolucionários sempre tiveram consciência do poder das palavras, da sedução e da reelaboração de valores por elas provocadas. O controle da difusão dos impressos se tornou uma questão de Estado, a “caça à literatura sediciosa” intentava uma [cultura amordaçada], em que a liberdade de pensamento foi sendo cada vez mais cerceada. A história da censura no Brasil nos remete à própria formação da nação. A Santa Inquisição e a Coroa buscaram exercer controle sobre as idéias contrárias ao regime e à fé católica. No século XVIII a preocupação se deslocou para os [iluministas pervertidos], as obras francesas só tiveram liberdade de circulação no Brasil a partir de 1821, com a liberdade de imprensa. Neste período urgia a construção de um Estado liberal. Mas a liberdade tão esperada e anunciada pelas propostas republicanas não ocorreu na prática, a censura permaneceu e com ela os [subversivos da República]. Em fins do século XIX e início do XX as leituras ainda eram tuteladas pelo Estado e influenciadas pela Igreja Católica. A ponto de, nos anos 30, o padre Serafim Leite pedir punição à Gilberto Freyre, considerado “o pornógrafo de Recife” e sua obra “Casa Grande & Senzala”. As promessas liberais da dita revolução de 1930 não se concretizaram. A Constituição de 1934 deixou evidente a intolerância para com idéias contrárias ao regime. A insurreição comunista de 1935 colaborou ainda mais, junto com o estado de sítio foi instalada a censura à imprensa. Após o golpe do Estado Novo, o governo criou mecanismos constitucionais para o controle da informação, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e a polícia política buscavam uniformizar a informação e caçar os “intelectuais desviantes”. Mas em tempos de modernidade, industrialização, crescente urbanização, e circulação de idéias anarquistas, comunistas e libertárias será cada vez mais difícil frear o movimento de [idéias bandidas]. O DEOPS paulista, criado em 1924 e extinto em 1983, organizou um farto arquivo de “provas”, em que, pela “lógica da suspeição”, qualquer selo, envelope, pedaço de bilhete servia de testemunho contra os supostos revolucionários. No período, segundo a autora, ser escritor, jornalista tipógrafo ou professor, era estar sob suspeita. Nos anos 30, os [transgressores da ordem], buscaram meios de burlar a censura através de estratégias e táticas cada vez mais engenhosas. Uma prática que repercutiu na imprensa, denunciava os comunistas que percorriam os bairros paulistanos de casa em casa, disfarçados de vendedores de modinhas em homenagem a Lamartine Babo, ao venderem o livro inseriam em seu interior um folhetim comunista. A esta estratégia ainda se somavam outras tantas, como as bibliotecas ambulantes, o “barbante que queimava”, etc. [O universo dos livros clandestinos] convivia com as dificuldades de despistar a polícia política, arcar com os custos de tradução e impressão. O universo dos livros proibidos mudava ao sabor dos acontecimentos, os livros integralistas circularam normalmente até 1938 (ano da tentativa de golpe), anteriormente encarados como simpáticos ao regime, agora se tornam inimigos, o mesmo ocorreu com a literatura nazi-fascista que circulava no eixo Rio – São Paulo – Porto Alegre entre descendentes de imigrantes. Mas não eram somente as idéias políticas (no sentido clássico) que eram banidas, a literatura pornográfica japonesa era acusada de perverter a cultura brasileira, assim como a alemã de fortalecer uma identidade diversa da brasileira. Nos anos 30 o fantasma da revolução assombrava o imaginário da polícia política, até mesmo livros sobre a Revolução Francesa eram apreendidos. A busca de livros de “doutrina exótica” buscou passar [bibliotecas em revista]. As bibliotecas de intelectuais ligados ao Partido Comunista eram as mais visadas pelo Deops, a busca se concentrava nas [edições perigosas], capazes de inspirar uma subversão da ordem vigente. Mas não eram somente obras de autores comunistas que constituíam o foco do Deops, [a caça às bruxas] atingiu muitos autores brasileiros. Jorge Amado e Monteiro Lobato estavam entre os mais censurados. Ter “Vida de Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança” de Amado era o mesmo que declarar-se comunista e sedicioso. Lobato também era acusado de ser perigoso para a segurança nacional. O personagem Zé Brasil, de Lobato, caricaturizava o caboclo da roça, marcado pela fome, miséria e doenças. Na visão da polícia política e de Pe. Sales Brasil – combatente fervoroso de Lobato –, o autor ao representar o caboclo estigmatizava nossa brasilidade e fortalecia a ideologia bolchevista como solução social e política. A obra lobatiana era visto como o [comunismo para crianças], seu livro “Peter Pan” foi acusado de alimentar “erroneamente os espíritos infantis”, pois criticava a arrecadação de impostos. As idéias literárias de Lobato eram classificadas como “perniciosas” à moral católica e a família brasileira. Autores como Lobato ultrapassaram os limites do lícito, mostrando [o que era proibido dizer...]. A literatura sediciosa adentrou a década de 60 [sob o olhar dos militares]. Após o golpe de 1964 os intelectuais e as publicações de esquerda continuaram a ser o alvo principal da polícia política. O regime aniquilou cerca de 150 jornais “nanicos”, proibiu mais de 500 livros e buscava manter vigilância constante sobre as obras que entravam no país e sobre intelectuais como Octavio Ianni, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, etc. Todavia, estratégias e táticas novamente foram reformuladas para permitir a circulação de idéias ditas subversivas. |
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