Douglas Maurício Zunino: "Os Diferentes Fazem a Diferença" |
O poeta blumenauense Douglas Maurício Zunino milita nas artes desde o início da década de 1980 e foi um dos fundadores da Associação de Poetas Independentes, em 1986. Nesta entrevista, realizada em julho de 2008, Zunino fala da sua infância, da sua relação com os poetas e artistas de Blumenau e, principalmente, reflete sobre a poesia e sobre os movimentos culturais dos quais participou. “OS DIFERENTES FAZEM A DIFERENÇA” O poeta blumenauense Douglas Maurício Zunino milita nas artes desde o início da década de 1980. Um dos fundadores da Associação de Poetas Independentes (1986), integrou diversos movimentos e ações de arte alternativa, procurando manter sempre sua independência. Editou jornais e fanzines, escreveu para o teatro, participou de diversas intervenções artísticas e, atualmente, compõe para bandas de rock de Blumenau. Durante a década de 1990 publicou os “livre-livretos” Reversos X Inversos”, “In versus di versos”, “Di versos uni versos”, “Nada Disso” e “Pró Nomes”. É autor dos livros “Essa Palavra” (1999), “Na Curva do Rio” (2002), “Tatuagens” (2004) e “Cidadela” (2006). Nesta entrevista, realizada em julho de 2008, Zunino fala da sua infância, da sua relação com os poetas e artistas de Blumenau e, principalmente, reflete sobre a poesia e sobre os movimentos culturais dos quais participou. (Entrevista: Viegas Fernandes da Costa / Fotos: Gabriel Severo Venco Teixeira da Cunha) Para começarmos, gostaria que nos contasse sobre a tua infância. Sabemos que nasceste em Itajaí, mas que ficaste pouco tempo por lá. Eu nasci de pais desconhecidos. Fui adotado por uma senhora que na época tinha 54 anos, era sozinha, seus filhos já estava casados – esta é a história que me contam – , que estava passando por Itajaí e me pegou, me adotou. O nome dela era Dona Carmen Ternes Zunino. Então com cinco meses vim para Blumenau. Tanto que me considero blumenauense até a medula. Eu tive uma infância muito boa, muito gostosa. Ela me contou essa história quando eu tinha seis anos, mas até ali eu não tinha consciência disso. Ela só teve que me registrar quando eu ia fazer sete anos e ia estudar no Santo Antônio. O colégio exigiu uma certidão de nascimento, ela foi a um juiz e fizeram este documento. Comecei a estudar, e o conflito pelo qual passei foi o de estudar em um colégio de “riquinho”. Como eu, visivelmente, não tinha as posses que os outros tinham, brigava muito dentro do colégio, tive muitos conflitos. Estudei no Santo Antônio até a quinta série. Quando mudamos para o Garcia, comecei a estudar no Pedro II, colégio onde me diverti muito mais. Na sétima série conheci um tipo de “geniozinho” da classe, nós morávamos perto e voltávamos para casa juntos. Eu gostava muito de jogar futebol, e costumo dizer que entrei na literatura por causa do futebol. Eu tinha 13 anos, e não tinha mais ninguém para jogar bola, porque naquela época, a partir dos 14 anos, o pessoal já começava a trabalhar. Foi quando convidei este cara para jogar bola comigo. Só que ele me fez, então, uma proposta: “Tudo bem, jogo bola contigo, mas tu vais ter que ler os ‘dois retratos’ em uma semana”. Um era o “Retrato de Um Artista Enquanto Jovem”, do James Joyce, e o outro era “O Retrato de Dorian Gray”, do Oscar Wilde. Eu fiquei muito bravo com aquilo tudo, mas tudo bem. Em nome do futebol comecei a ler, mas só li o “Retrato de Um Artista Enquanto Jovem”, com que me identifiquei mais, porque é uma história de conflito com os padres. “O Retrato de Dorian Gray” até hoje não li (Risos) porque achei chato. Mas passou-se uma semana e houve a acareação, para ver se eu tinha lido. Comecei pelo Joyce, que tinha lido. Como tinha me identificado com o livro, falei um monte. “Vamos agora ao ‘Retrato de Dorian Gray’!” Putz, eu não tinha lido! Dei uma de malandro. Fiquei esperando ele tecer os comentários: “veja bem, você não concorda que Oscar Wilde era adepto da arte pela arte?” E eu dizia “claro, claro...” Ele não ficou muito convencido, mas no fim “passei”, “fui aprovado”, e fomos jogar bola, finalmente! Ele não gostava de futebol, e eu me considerava o “bam bam bam” na minha faixa etária. Mas qual não foi a minha surpresa quando descobri que ele era melhor do que eu no futebol! Isso causou uma terrível frustração no meu ego. (Risos) Foi quando resolvi me dedicar um pouco mais à literatura, a ler mais, para me equilibrar com ele; porque ele era, realmente, um intelectual que lia Freud, lia sobre cinema, lia sobre tudo! Mas aos quinze anos eu comecei a trabalhar. Meu primeiro emprego foi na Artex, como auxiliar de tecelão. Ali, realmente, eu tive um conflito de identidade muito grande, e busquei na literatura uma solução para os meus conflitos de adolescência. O relacionamento com minha mãe sempre foi um conflito tremendo! Ela dizia: “não fica lendo esses livros, gastando dinheiro”; porque eu fazia assinatura do Pasquim, da Veja – que na época era uma boa revista. Ela queria que eu fosse só um operário, e eu tinha outras ambições. Um dia eu estava lá, trabalhando no tear, quando fui chamado e me disseram para ir lá perto da biblioteca. Eu freqüentava muito a biblioteca da Artex, que era uma boa biblioteca. Cheguei lá e dei de cara com uma placa na porta: “psicólogo”. Sentei lá e o psicólogo me perguntou se eu estava lendo muita literatura. Percebi então que foi a minha mãe que tinha vindo com a história. Respondi: “estou lendo muita literatura! Por quê? Algum problema no meu trabalho? Está interferindo?” Porque naquela época, há 31 anos, a gente vivia uma repressão muito maior, muito mais clara. Ele disse: “não tem nenhum problema. Só quero saber o que você está lendo. Que tipo de literatura você está lendo?” Respondi que estava lendo psicanálise. Ele foi pego de surpresa. Um garoto de dezesseis anos lendo psicanálise! Então ele agitou os braços: “que tipo de psicanálise você está lendo?” Eu comecei a enumerar: Freud, Jung, etc. “Mas você sabe que todos eles têm uma tendência de pensamento diferente.” Respondi: “eu sei” – e comecei a explicar a tendência de cada um. Ele ficou vermelho, explodiu e me expulsou do consultório. Nunca mais me incomodei. Trabalhei até os dezoito anos, mas eu queria trabalhar no escritório. Eu era um funcionário muito considerado porque não faltava, não chegava atrasado. Minha mãe adorava isso porque ganhava o “pacote zero faltas”, aonde vinham retalhos. Mas quando cheguei aos dezoito anos, senti-me apto e com vontade de sair daquela rotina. Fui conversar com os “manda-chuva” da empresa e pedi para trabalhar no escritório. Eles foram contra, me deram salamaleque e coisa e tal. Eu disse que não queria deixar de cumprir bem o meu trabalho e obrigá-los a me demitir só porque não queriam me dar uma chance no escritório. Foi quando entramos em um acordo e eu saí. Aí o conflito com a minha mãe aumentou mais ainda! Depois disso tive empregos esporádicos. Trabalhei até no Jornal de Santa Catarina como compositor. Mas fui ter uma vida mais aventureira, que eu queria ter. Porque naquela época a repressão era muito mais forte em termos de comportamento e tudo mais. E fui levando esta vida aventureira. Estudei até o Científico, mas não concluí o Ensino Médio. Como é que se dá a tua entrada na literatura? Não pergunto como leitor, porque isto já disseste, mas como alguém que vai desejar fazer literatura. Eu realmente nunca fui muito ligado a ela. Gostava de ler, é claro, mas a literatura ainda não tinha me tocado. Mas quando li Mayakovsky, senti que a poesia não era aquela coisa tão cheia de floreios e tão adocicada como na visão que eu tinha. Então comecei a me interessar por poesia. Porque a linguagem da poesia estava muito mais adaptada ao meu temperamento. Sou um cara indisciplinado, temperamental, briguento. E a poesia é muito mais sintética. Então é uma linguagem que casou comigo, e comecei a cometer os meus primeiros rabiscos. Mas eu me considero realmente poeta quando, com 19 anos, escrevi “Confissão de Um Poeta Marginal”, meu primeiro poeta. Ali eu me declarei poeta. Além do Mayakovsky, que outros autores consideras que exerceram sobre ti certa influência ou certo incentivo? O mais interessante é que na época eu não lia muita poesia, apenas o Mayakovsky. Depois é que fui ler Drummond e compreender mais. Eu tinha certo preconceito, porque na escola sempre colocavam os poemas chatos dos autores. Então a poesia não tinha me tocado por causa dessa direção didática da escola. Depois comecei a rever os autores brasileiros. Douglas, tu eras um operário que tinhas publicado teu primeiro poema, “Confissão de um poeta marginal”... O mais engraçado é que escrevi o “A Confissão...”, que foi um poema muito importante para mim, mas que era impublicável. E naquela época publicar um livro era muito mais difícil. Até os espaços em jornal eram muito mais difíceis. E, além disso, era um poema relativamente longo. Então não haveria chance de publicar este poema. Por isso este início foi uma fase muito frustrante. Quando começas a escrever, já estavas próximo de pessoas que também escreviam, ou estavas isolado? Como é que se dá essa aproximação e como vais conseguindo abrir espaços para publicar? Para responder vou ter que chegar à história dos independentes. O Fabrício Wolff me convidou para dar uma entrevista na Rádio Atlântida. Ele me fez perguntas que eu nem sabia como responder e nem como me posicionar. Não sabia direito, não tinha conhecimentos teóricos. Mas acabei de dar a entrevista e, embaixo da rádio tinha um bar, estava trabalhando o Jorge Caju, que escutou a entrevista: “foste tu que estavas dando a entrevista?” – perguntou. “Porque também sou poeta.” Já me sentei, pendurei duas batidinhas e começamos a conversar. E o papo girou em torno do espaço para publicação. A lamentação de não se ter espaço para publicação. Foi quando chegou um amigo em comum, o Celso dos Santos, que sentou e ficou ouvindo a nossa conversa. Nessa época a gente teve muita militância política. Conheci o Celsinho da juventude do MDB. E ele ficou lá, escutando a nossa conversa, até que disse: por que vocês não fazem uma associação?” Olhei para o Caju e no ato disse: “fecha esse teu bar porque nós vamos para o Jornal de Santa Catarina agora!” E saímos! Como estávamos sem grana, fomos à pé. (Risos) Mas essa caminhada foi legal porque nos deu tempo para conversar. Afinal, o Caju queria saber o que é que eu tinha em mente. “Mas qual vai ser o nome dessa associação?” E eu disse: “Associação de Poetas Independentes”. Chegamos lá, demos entrevista, e marcamos a reunião para o dia seguinte no Diretório Central dos Estudantes da FURB. Chegamos lá às sete horas da noite, eu e o Caju, e tinha mais cinco pessoas. E ali foi fundada a Associação de Poetas Independentes. Tinha a Raquel Furtado, o Carlos Vinci, a Eliana Wobeto, o Fabrício Wolff – que foi muito importante para nós, porque não tínhamos experiência. Começamos a participar da Blumenália... O primeiro evento que fizemos foi uma espécie de intervenção poética no Castelinho da Moellmann. Na Blumenália fizemos uns pot-pourri poéticos. Foi montada uma comissão provisória, fiquei como presidente, coisa e tal. Mas logo depois começou a questão burocrática, e eu comecei a entrar em choque com a Rosane, uma ex-namorada, e aí começaram a entrar as questões pessoais. E também aquilo não era o que eu estava imaginando: uma associação burocrática. Então acabei me desvinculando. Tive uma ruptura radical. Simplesmente não apareci mais. Foi uma coisa boa, mas que ao mesmo tempo me gerou uma grande frustração. Isso foi na década de 1980... Em 1986. ... se tivesses que fazer um comparativo entre o momento em que surgiu a Associação dos Poetas Independentes e o momento atual, qual seria o paralelo, a avaliação? Acho que o que nós fizemos naquela época tinha mais qualidade. Nós éramos mais libertários! Talvez porque estávamos saindo de uma ditadura e a sociedade civil estava mais organizada. A ditadura abriu justamente nessa época. Então foi feita a API, o NUTE e a Associação de Artistas Plásticos. A sociedade civil estava louca para se organizar, se libertar, e essa foi uma resposta imediata dela. Mas nós éramos mais libertários. Com a recém conquistada liberdade, nós tínhamos toda aquela vontade de nos lançarmos à rua. Fizemos intervenções em botecos, declamamos poemas em discotecas. Aquele momento foi muito rico exatamente porque havia mais união. Não era só poesia, havia também a união com o pessoal do teatro, que fazia as performances. Considero que hoje há muitas associações e todas elas desvinculadas com as outras artes. Acho que, neste sentido, aquela época foi mais rica. Hoje o cara é só literato, e não há uma troca com as outras artes. Depois fiz a autocrítica do movimento, na questão da organização, que nos levou a fazer o “projetando poesia”, que já foi mais um grupo de ação envolvido com as outras áreas da arte. O “projetando” foi uma intervenção que projetava poemas nas paredes da FURB. Já que ainda estavas inédito, como o Fabrício Wolff, que te convidou para a primeira entrevista na rádio, soube da tua produção? Eu fazia uns fanzines, xerocados. Eram muito ruins, horríveis! Acho que foi por aí. Podemos dizer que a tua produção pode ser dividida em duas fases: a inicial, com um suporte marginal, que eram os livre-livretos, e com um caráter mais experimental que ia da poesia marginal ao poema visual; e a segunda que começa com “Essa Palavra”, onde começas a publicar livros, inclusive, com o apoio de uma editora. Como é que começou a publicação dos livre-livretos? Quem te apoiou nesta fase inicial? Apenas voltando um pouco, já que agora eu me lembrei. Em 1984 eu e a Rosane fizemos um livretinho de poemas que, inclusive, se chamava “Confissão de um poeta marginal”. A Rosane trabalhava como secretária, e ela tinha uma máquina elétrica, o que na época era um charme. E ela fez o dela, eu fiz o meu, e vendi alguns. Acredito que o Fabrício tenha me conhecido nessa época, em 1984. Mas voltando a tua pergunta. Na verdade tudo começou com o projetando poesia. Nós fizemos uma antologia de12 autores através da Teresinha Heimann, da Divisão de Promoções Culturais da FURB que fez um livreto e tirou mil cópias. Teve uma cota para cada autor, mas sobraram 700 livretos e eles não sabiam o que fazer com isso. Eu disse: “dá para mim que eu vendo”. E vendi todos eles a um preço simbólico. Ali eu já comecei a entrar em conflito, a ver a realidade da venda de poesia. Naquela época foi uma coisa até traumatizante! Quase apanhei! Teve um cara que tomava cerveja comigo, mas que na hora em que fui oferecer um livro ele não entendeu e disse: “tu queres me vender isso aí?” Eles tinham uma outra visão de poesia. E esta é uma visão que até hoje permeia em Blumenau. As pessoas acham que o artista não deve estar ao alcance da mão. As pessoas vêem os artistas na televisão, mas aqui? Por ser uma cidade provinciana, existe esta visão. Então já comecei a entrar em choque com isto. Mas com o tempo o pessoal foi se acostumando. Aí sofri um acidente de carro! Quando comecei a andar, voltei para o escritório onde trabalhara antes. Quando comecei lá, a empresa não tinha nada, mas quando voltei já tinha computador, secretária... Eles já me conheciam, sabiam que eu escrevia, e eu pedi para usar a máquina de escrever. Como o proprietário me devia vários favores, e ele vendo a minha situação, de bengala, todo quebrado, condoeu-se e fez a proposta de bancar um livro meu. Saí correndo para casa, juntei aquilo que deu para juntar e, no dia seguinte, oito horas da manhã ele estava no escritório e eu também já estava lá! Foi quando ele percebeu que eu estava levando a história a sério, e tentou sair. Mas não deu tempo, e o livro acabou saindo. Quando eu fui buscá-lo na gráfica, fiquei um pouco frustrado, porque a capa fazia com que ele parecesse um livrinho de religião. Era só um quadradinho e o nome. Fiquei frustrado! E naquela época eu conheci um artista plástico, o César Rossi, que viu que eu estava triste e me disse que resolvia o problema. Foi quando tivemos a idéia de fazer a capa na serigrafia. O livro era o “Reversos X Inversos”. Vendi todos os 500 exemplares e financiei o segundo, ainda menor, porque assim custava menos. Lancei mão da estratégia do menor custo possível. Teus primeiros livretos tinham mais texto e, na medida em que caminhas, os próximos títulos trazem poemas onde o texto diminui e até desaparece, ficando apenas a poesia visual. Como é que se dá essa caminhada de um texto estruturado na palavra para um texto estruturado no visual? A seqüência deles é: “Reversos X Inversos”, “In versus di versos” e “Di versos uni versos”. Depois teve o “Nada Disso”, que é mais da linha marginal, mas tem uma mistura de algo experimental; o “Pro Nomes”, que também considero marginal com uma mistura experimental. Quanto à pergunta, ali foi mais uma questão de pesquisa mesmo. Resolvi radicalizar em “Di versos uni versos”, e fazer um livro totalmente visual, para experimentar como é que seria. Eu era experimental mesmo, até o fim! E saí vendendo esse livro! Foi quando quase apanhei, de novo! Porque vender um livro sem palavras foi “pra acabar”. Inclusive, não consegui vender toda a edição. Mas eu queria ir até certo limite. E essa experiência foi legal porque aprendi uma coisa: que a poesia de vanguarda, experimental, não leva muito em conta a sociedade e a palavra. Porque a sociedade se organiza em torno da palavra. Então, quando fiz um livro sem palavras, entrei em conflito com o social e tirei uma reflexão de tudo isso: a de que a palavra é importante. A comunicação só é possível através da palavra. E a sociedade é o importante para mim, para o artista. Foi dentro dessa experiência que fui voltando para a poesia marginal, no sentido de transmitir, de comunicar mesmo. Eu já tinha bastante conhecimento da poesia marginal, mas não concordava com algumas coisas. Acho que o Paulo Leminski foi o cara que fez muito bem a fusão entre a poesia de vanguarda e a poesia marginal. Porque tinha muitos textos da poesia marginal que eu não gostava. Eu gostava mais da postura deles. Então me guiei meio que pelo Leminski, que fez uma bela fusão. Ele também percebeu isso, que a poesia marginal tinha algo de bom, tanto quanto a poesia de vanguarda. Como é que se dá a tua pareceria com Tadeu Bittencourt? Este diálogo entre o poeta e o artista plástico? Conheci o Tadeu em 1991, apresentado pelo Nassau de Souza. E foi daquela mesa de bar que surgiu a idéia do “Projetando”, e eu e o Tadeu corremos atrás. Ali no “Projetando” já começamos a trabalhar juntos. O Tadeu tem uma coisa legal. Ele é um cara objetivo, um cara que faz mesmo! E são com pessoas assim que gosto de trabalhar. E as nossas idéias eram, artisticamente, mais ou menos afinadas. Como eu já tinha feito a autocrítica dos “Independentes”, queria trabalhar de uma forma mais anárquica, mais libertária e com pessoas de outros setores, seja da fotografia ou das artes plásticas. Eu estava mais interessado nesse tipo de trabalho. Sempre foi bom trabalhar com outras pessoas, como o Cláudio Peruzzo na fotografia entre outros. O “Essa Palavra” me parece que se constitui como uma antologia do que fazias, e é o primeiro livro que tem uma editora. Apesar de ser uma antologia, ele não apresenta a poesia visual. É um livro que apresenta a poesia que tem na palavra a sua base. Mas existe um motivo. Ele foi feito em linotipo, e o linotipo não permite que se explore a questão visual. Não fosse isso, o visual entrava? Alguma coisa poderia entrar, mas foi uma opção descartada por causa do linotipo. O único que pude incluir foi o poema “Tempo”. “Essa Palavra” aponta para uma nova postura do poeta? Também é uma questão de autocrítica. Quando fiz aquele livro todo visual, percebi uma coisa. Inclusive todo aquele radicalismo do poema processo, e depois da poesia visual, é o que acho também da poesia concreta... Em determinados momentos tu podes utilizar a poesia experimental, mas tudo depende muito da tua “sacada”, porque é um lance muito limitado, tanto a poesia concreta, como a poesia visual. Quando tu passas só para o signo, e tiras a palavra, como foi o caso do poema processo, a comunicação já não é mais poética. A comunicação já se dá em um nível não literário. Então fiz essa autocrítica e, realmente, de uns tempos para cá não tenho mais interesse em fazer poesia visual. Ainda posso fazer poesia concreta em determinados momentos, porque ela trabalha com a palavra. Cheguei a uma nova visão, e toda essa crise começou a acontecer quando escrevo “Na Curva do Rio”. Ali percebi mais profundamente que o texto poético pode ter influências tanto da crônica, como do roteiro ou das várias técnicas literárias que existem, sem perder a característica do poema. Porque na poesia concreta e na poesia marginal ainda tinha aquela coisa mais limitada. Depois de “Na Curva do Rio” percebi que, inclusive, pode-se ter a influência do teatro. Tenho um poema que se chama “Jogos”, que fala dos jogos de teatro, que é uma peça de teatro sem perder as características de um poema. “Na Curva do Rio” me parece uma grande crônica poética, e é bastante autobiográfico. Isto não quer dizer que o motivo autobiográfico não estivesse presente nos teus textos anteriores, mas percebemos que nos livre-livretos havia uma preocupação maior em discutir o próprio fazer poético e a sociedade, o que é uma característica da poesia marginal e do poeta inserido em uma sociedade excludente. Já “Na Curva do Rio” é profundamente lírico e autobiográfico. De onde surgiu esta necessidade de dizer de ti? Como pensas esta experiência de uma poesia autobiográfica? Acho que tu estás totalmente correto. Tudo aconteceu por causa da morte da minha mãe, que foi algo que mexeu comigo. E fiz uma coisa chamada recordação. Em momentos críticos como este, a gente faz uma síntese de todos aqueles conhecimentos. Quando há um grande acontecimento você sempre faz um resumo da tua vida. Então “Na Curva do Rio” foi exatamente isso: um resumo da minha biografia motivado por este evento. Justamente nos teus dois livros subseqüentes, o “Tatuagens” e o “Cidadela”, voltas a discutir a cidade, que era também uma questão inicial. É, o “Cidadela” discute mais a cidade. Para o “Tatuagens” convidei o Peruzzo. A gente fez um projeto, aqui na FURB, chamado “Instantâneos”. Como gostei muito do trabalho do Peruzzo, que conheci naquela época, convidei-o para fazer este livro de fotopoemas na linha mais marginal mesmo. E aí tirei aquelas coisas do fundo do baú, que foi a “Confissão do Poeta Marginal” e o “Poema no Asfalto”. Como falei antes, eu era um poeta de um poema só. Fiz os “Independentes”, me frustrei, casei – me juntei – e resolvi me dedicar à família. Mas o casamento não deu certo, e o poema descreve uma situação que vivi. Tentei voltar a entrar em contato com o pessoal do teatro, principalmente, e não encontrei. O “Poema no Asfalto” é um poema muito significativo e muito importante para mim porque é a minha volta à poesia. Já no século XXI vai surgir o Movimento da Música e da Poesia Blumenauense (MPBlu), no qual terás um papel importante. Como surge este movimento, como te inseres nele e qual a avaliação que fazes dele? Vou ter que começar com uma outra pessoa que conheci, além do Tadeu, que foi o Blenio Pires. Novamente estávamos no boteco e o Blenio, sem mais nem menos, sentou lá e disse que estava nos observando. Até apontou para mim e disse: “ó, tu és o mais ranzinza de todos”. Respondi que realmente eu era. Começamos então a fazer uma brincadeirinha de desafio. Um escrevia um verso e o outro, outro verso para rimar. E foi aí que nós compomos o início da música “Santo de Casa”. E começamos fazer uma discussão com um manifesto chamado “Arte Voluntária”, em janeiro de 2000 ou 2001. Na nossa avaliação, janeiro e fevereiro eram meses em que não acontecia nenhum evento cultural em Blumenau. Então a nossa proposta foi fazer uma intervenção urbana na cidade durante doze dias. E setorizamos: o Blenio cuidava da música, eu da literatura, o Tadeu das artes plásticas. Então um dia o Blenio ficou tocando guitarra na frente do Teatro Carlos Gomes. Outro dia nós colamos poemas-cartazes pela cidade. Inclusive colei um poema-cartaz na Fundação Cultural, que tinha o hábito de sempre fechar as portas, e agora não fecha mais. E era um poema que dizia: “Só uma sentença na cabeça. Os diferentes é que fazem a diferença.” Saiu no jornal e foi polêmico. Eu fiquei irritado com a matéria que saiu no jornal, por causa do título dela. O título era “Os voluntários”, como se fôssemos os voluntários da pátria. Fiquei chateado sem motivos. Mas acabei encontrando entre os papéis que eu tinha lá em casa o início do “Santo de Casa”, acabei a letra e entreguei para o Blenio. Depois do “Arte Voluntária” nós fizemos uma avaliação de todo o movimento. Aquilo foi um laboratório. E o Blenio estava com a idéia de fazer um movimento de música. O que foi discutido é que a grande bandeira seria música própria. Não adiantaria fazer qualquer movimento sem pegar esta bandeira. E o Blenio foi atrás do negócio, do jeito dele. Fez aquelas intervenções nos terminais de ônibus, uma coisa da qual eu não gostava muito. Voltamos a discutir, e eu disse para ele que seria melhor fazer no boteco, que para mim é o espaço da liberdade real. Porque esse negócio de impor a arte nos terminais é querer impor as coisas às pessoas. As pessoas não estão prestando atenção, estão preocupadas com os horários de ônibus. Depois começamos a fazer nos botecos. E o movimento caminhou e foi muito bem. De todos os movimentos que houve em Blumenau, este eu considero o que melhor se realizou. De uma forma geral, como avalias a produção literária em Blumenau, ou no Vale do Itajaí, no momento atual? Existe uma produção de qualidade, ou já houve tempos melhores e hoje passamos por um período de “vacas magras”? Acho que tem muita produção, mas qualidade não. É claro, como diz um provérbio japonês, até num livro ruim há algo de bom. Então é natural que entre toda esta produção vertiginosa surja algo de bom. Mas achas que houve uma produção mais qualitativa nas décadas de 1980 e 1990? Não, não vejo muita diferença. A não ser o Lindolf Bell, que teve uma produção que se destaca. Existem coisas que admiro tanto no Bell quanto no Leminski. Eles se assumiram enquanto poetas, e assumiram a poesia. E o Bell tem uma consciência, uma visão universal muito forte. Isso que se chama qualidade literária, para mim, é esse envolvimento, e de ver a poesia não como um exercício intelectual, mas de se tornar um poeta total. E aqui a gente cai na pergunta que gostamos de fazer aos escritores que entrevistamos no Sarau Eletrônico. Ainda existe espaço para a poesia neste mundo em que vivemos? O poeta ainda tem uma função? Qual seria a ressonância da poesia nesta sociedade pós alguma coisa? A poesia se diferencia das outras tendências literárias porque se preocupa com a transcendência. A poesia participa com a experiência mística. A poesia é que pode avançar em uma linguagem universal e atemporal. Por quê? Porque ela visa os sentimentos. E a coisa que o ser humano tem de mais eterno é o sentimento. O que movia aquele primeiro homem, lá nas cavernas, eram os sentimentos. Seja o medo, o ódio ou a esperança. Na verdade, o sentimento é o que nos move e o que nos faz sobreviver. A poesia está muito ligada a esta questão universal e atemporal. Então ela sempre vai existir. A não ser que o humano deixe de existir. Eu considero a poesia, ou a arte, como mensagem da eternidade. Por isso que a poesia está meio fora. Ela é ao mesmo tempo humana e inumana, porque ela pode alcançar o inumano, que é o atemporal. Então esta é a questão da poesia. Então ela é produto do meio histórico, do tempo, mas ao mesmo tempo não é. Quais as virtudes e os pecados de Blumenau? Uma coisa que eu vejo muito em Blumenau é a questão da competição. Muita gente pensa que por se estar em uma cidade rica, esta produziria mais culturalmente. Mas o que se dá é justamente o contrário. Porque sendo uma cidade onde há mais dinheiro, há uma luta mais individual e uma competição mais acirrada. Tanto que esse negócio de competição é um chip que está dentro da cabeça das pessoas. Inclusive por ser uma cidade industrial, uma cidade que trabalha muito. As pessoas estão aqui para produzir. É a ideologia do trabalho. Então o conflito é a tarefa maior do artista aqui em Blumenau. Quanto às virtudes, acho que é uma cidade muito bem organizada. Eu tenho uma relação de amor e ódio com Blumenau. Com a internet, andaste fazendo, juntamente com o Tadeu, algumas experimentações em vídeo. Como foi essa experiência de transportar o poema, que geralmente ocupa o suporte do papel, para um outro suporte, completamente diferente, que é o do vídeo? Isso surgiu porque aprovei um projeto, e como o Tadeu, amigo meu, estava precisando de uma grana, inventei de fazer um vídeo. Só que a gente não tinha a mínima idéia de como fazer. Nós tivemos que produzir o livro “Cidadela” e, ao mesmo tempo, produzir um vídeo e as fotografias. Tudo em um mês! Então foi uma experiência avassaladora! Mas claro, convidei o Tadeu porque ele tem um tremendo poder de resolução, e acabamos fazendo. Porque o videopoema, até em nível de Brasil, não é uma coisa comum. E eu sou um cara que não gosto muito de declamar os meus poemas, não sou muito amante da minha voz, mas tive que fazer isso. Propus-me este desafio e fiz. E foi muito legal porque lidei com uma outra experiência, que é a experiência do roteiro, de pensar a imagem. E ainda quero fazer mais vídeos. E os novos projetos? Estou com dois livros ainda inéditos e quero fazer mais alguns vídeos. Porque agora virou moda fazer vídeo. Infelizmente a linguagem que se passa ou é muito experimental, ou é convencional demais, um puxa-saquismo da cidade. E eu acho que a literatura não está aí para puxar o saco de ninguém. Isso me irrita profundamente! Estou participando, com letras, do novo disco da banda Revolver. Já participei de vários discos. E voltando à questão do MPBlu, ele começou como um movimento coletivo, onde aqueles que souberam se manter, agora estão partindo para o individual. Esta foi uma coisa que abordaste muito bem no artigo “A antropofagia blumenauense”; é o individual que não perdeu a característica coletiva, onde a gente colabora trabalhando conjuntamente. Tanto trabalho com os Trovadores do Vento, como com a Revolver e o Daian, que são os três que ainda continuam com a bandeira da música própria. Então é um momento muito interessante, porque vi o movimento do teatro acabar. E este era só coletivo. O “Nute”, o “J Tic Tac” eram totalmente coletivos, e não desaguaram no individual. Então é a coisa nova que o MPBlu está trazendo. Está sabendo trabalha o coletivo mantendo o individual. Eu o considero o movimento mais bem realizado. |
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