O Detetive de Florianópolis |
Há 25 anos, surgia nas páginas do jornal “O Estado” uma figura que se tornaria lendária entre leitores assíduos de literatura de suspense. Hoje, se vê que O Detetive de Florianópolis, do escritor catarinense Jair Francisco Hamms, ia muito além de pregar o leitor em suas páginas. Neste texto, o escritor Marcelo Labes comenta este livro, um clássico da crônica catarinense. O Detetive de Florianópolis Marcelo Labes* Se Bagé tem o seu analista e Curitiba tem o seu vampiro, Florianópolis não fica atrás. Data de 1983 a compilação de crônicas O Detetive de Florianópolis, de Jair Francisco Hamms. Da ironia ao escracho, acompanhamos, do surgimento ao casamento, o “desempregado, endividado, nervoso, aporrinhado à beça, Domingos Tertuliano Tive”, D.T. Tive – detetive particular. Em dez crônicas, Hamms consegue fazer rir, rir muito, e ainda nos deixa com gosto de quero mais, depois que Tive casa-se com a sua... bem, não é interessante entregar o jogo, ainda mais em caso de investigação. A semelhança com O Analista de Bagé surge desde a capa. Publicado cinco anos antes por Luis Fernando Veríssimo, O Analista também surgiu primeiro em jornais, para depois ocupar as páginas do livro que todos conhecemos. No entanto, não vão muito longe as semelhanças: o personagem de Hamms é astuto, sedutor e em diversas ocasiões, um galanteador refinado. Se precisávamos de um herói catarinense que agradasse a muitos gostos, ele está ali. É o tipo que acorda, olha pela janela, sabe que precisa se mexer e não consegue sair da cama. Conversando com seus botões, ouve de um deles o conselho: “Que eu saiba, a cidade não tem um só detetive particular”. Dessa forma, com dinheiro emprestado, Tive inicia uma carreira promissora e cheia de situações embaraçosas, nunca menos engraçadas. Dessa forma, começa a investigar crimes os mais bizarros, como o caso da morte do lebréu russo, do lobisomem de Saco Grande, dos dólares de Chapecó... Acompanhado pela piramidal secretária Ivete, Tive muito simplesmente resolve casos que, às vezes, não precisam de muito esforço; é aí que faz sucesso e fortuna. Para importunar — porque sempre alguém vem encher o saco — temos ali o Pereira, piadista de mau-gosto que procura tirar o brilho de nosso herói. Às vezes quase consegue, mas Tive não se deixa enrolar. Ah, isso não. O mais instigante na obra de Hamms é que não podemos chamá-lo simplesmente como “o cara do detetive”. Pelo título do livro, pelas primeiras dez crônicas, até que sim. Mas não pelo todo. Este livro, por exemplo, traz mais 21 crônicas onde o autor mostra como consegue narrar sensivelmente casos (reais ou inventados) do cotidiano. Uma pena que não consigamos encontrá-lo nas livrarias. Não se trata somente de ler Hamms, de se divertir com as aventuras de seu personagem. Trata-se de refletir um pouco o mercado (?) editorial de e em Santa Catarina. Hamms, que eu saiba, não escreveu por muito tempo. Mas o que escreveu é bom. Por que teria desistido? Seria pela falta de leitores? Seria por ver seus livros acabarem-se nos sebos antes mesmo de serem lidos, discutidos, lembrados? Sem dúvida, poderíamos perguntar a D.T. Tive onde foi parar o escritor que, com um livro apenas, fez história. Se Tive ainda existisse, claro. Mas ficou lá, nas páginas amareladas de 25 anos atrás. * Marcelo Labes é escritor. Autor de “Falações” (Poemas, 2008). |
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