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O que podemos encontrar no Guarda-roupa Alemão? Imprimir E-mail

capaNeste artigo, a aluno de Letras Elis Regina Kosloski analisa o romance “O guarda-roupa alemão” de Lausimar Laus, procurando apontar e caracterizar o tempo e o espaço na obra e salientando os diferentes tipos de ambientes desenvolvidos.

O que podemos encontrar no Guarda-Roupa Alemão?

Elis Regina Kosloski
Graduanda do curso de Letras / FURB

O Guarda-roupa alemão”, de Lausimar Laus, é uma obra que narra, em dois cenários diferentes –capa Blumenau e Itajaí – , a vida dos imigrantes alemães para Santa Catarina. O desenrolar das histórias se dá a partir de uma conversa com o Kleidrschrank, o Kleid, apelido carinhoso dado ao velho guarda-roupa alemão trazido da velha pátria, a Alemanha, e que esteve presente em tantos momentos da família e da história de Blumenau. E também com histórias registradas no diário do avô de Homig, Klaus Ziegel.

Neste romance Lausimar mistura o cômico, o trágico e o poético. No decorrer da narração aparecem as gozações feitas para os imigrantes, o preconceito existente em todas as culturas, a obrigação de falar o português mais os ideais nazistas e não-nazistas. O amor realizado e as frustrações daqueles que não se realizaram.

O romance inicia-se com Homig que, ao “conversar” com Kleid, relembra vários fatos e acontecimentos que aconteceram em várias gerações através de leituras de diários e memórias. Fatos marcantes na História de Homig e sua família, na história de Blumenau e do Brasil. Ao ter que se despedir da velha casa e também do querido guarda-roupa, começam a vir as lembranças da infância, das histórias contadas por sua bisavó Ethel e sua avó Sacramento que a muito custo casou-se com seu avô Klaus. Estava ela lá na frente do velho guarda-roupa, o último dos Ziegel, e segundo o pedido de sua bisavó a chave da gaveta do guarda-roupa, que foi enterrada junto com ela, como fora de vontade da mesma, deveria ser desenterrada e a gaveta aberta. Homig se perguntava qual o sentido dos últimos do Ziegel abrirem a gaveta, e ficava cada vez mais angustiado, afinal a casa iria ser vendida e o querido Kleid também. Ao refletir sobre isso, lembra de histórias como a da avó Sacramento, que com doze anos casou-se com seu avô Klaus, contra a vontade de seus sogros – afinal ela era uma índia. Uma índia que falava francês e declamava belíssimas poesias, já que fora criada em um convento por freiras. De todo aquele ar de romance, amor e respeito que seu avô contara ter em sua vida matrimonial. Das desavenças de sua tia Hilda, moça desajuizada que ousava correr nua a cavalo pelos campos a fora, e não à toa que foi mandada por sua avó Ethel para a Alemanha.

Lembra também do momento em que ele mesmo fora mandado para a Alemanha para estudar e, segundo sua avó, deveria se formar e casar com uma alemã. Voltou porque sua avó Sacramento conseguiu que ele voltasse ao Brasil. A vinda da professorinha Lula de Itajaí para “Campo de flores” com a finalidade de ensinar os filhos da Sra. Schimidt a falarem português, já que pareciam mais ter nascidos na Alemanha do que no Brasil. Esta mesma moça que morara com sua tia Maria Clara e suas primas Cidinha e Dora, as mesmas que descobriram a verdadeira face da “Menininha”. Menininha, criada por um casal que a encontrou em sua porta ainda bebê e que a protegiam demais. Não sabiam eles, porém, que por trás de uma face meiga e contida de menina de quinze anos, havia uma mulher sem escrúpulos que se deleitava com homens casados e que tinham idade para serem seus pais.

Relembra também a época de repressão, o nacionalismo imposto pelo governo brasileiro e como ele e seus conhecidos sofreram com isso. Humilhações, desacatos e gestos desumanos perturbaram esses imigrantes que não faziam nada além do que falar em sua língua de origem, já que não podiam aprender o português de uma hora para outra.

Ao final do romance Ralf, que estava junto com Homig no momento de abrir a gaveta, socorre-o quando este passa mal. Afinal, já estava em mau estado de saúde, e é ele quem desvenda o grande segredo da família, ou melhor, da patriarca da família Ziegel, Frau Ethel.

Ao fazer a leitura e análise desse romance, percebe-se que foi narrado sob a forma de memórias, durante a passagem de um dia para o outro. As personagens estão caracterizadas pelos seus traços de caráter e os espaços onde conviviam imigrantes alemães, açorianos e índios; os choques entre as culturas e o preconceito quanto à língua. Os ambientes formados naquela velha casa situam-se diante daquele centenário guarda-roupa alemão. Destacou-se então para uma análise mais profunda o narrador, o espaço e o tempo ocorridos neste romance.

Em O guarda-roupa alemão o narrador é heterodiegético, e narra o tempo em que Homig fica a frente do guarda-roupa lembrando de como tudo acontecera nesses anos todos.

Homig sentou-se ali. Defronte estava ele: o Kleidrschrank, o Kleid. Era assim que a família chamava o velho guarda-roupa, para economizar esforços nas silabas ásperas. Há cem anos sua história começara na Alemanha. O velho Ziegel o trouxera no frágil barco da travessia dos mares, com os outros móveis e as vistosas roupas da Baviera. (Laus, 2006, p 6)

Narra também as lembranças, as reflexões, os sentimentos de Homig.

Homig, um metro e oitenta de homem, continuava: - Tu vês, Kleidrschrank? Aqui está o último dos Ziegel! E agora? Tu vais continuar. Eu sei. A casa vai ser vendida, meu velho. Aonde te levar, se este é o teu lugar? Eu? Sei lá para onde vou. Bem mais novo que tu a vida me entortou todo. Com sessenta, não presto mais nem para guardar as coisas. O homem foi feito para sentir.(...) A cidade mudou. Os jardins também. Blumenau “O campo de flores” do velho Ziegel virou fumaça de fábricas. As casas da velha colônia foram destruídas.(Laus, 2006, p7)

No que diz respeito ao tempo da diegese, podemos citar dois, encontrados no texto. O tempo cronológico e o psicológico.

O tempo cronológico aparece com grande freqüência, em relação a fatos históricos, idades e viagens feitas pelos personagens. Mas também quando é narrada a rotina desses imigrantes.

Era tarde quando acordei, suando por todos os poros. Tia Clara preparava-se para ir ao hospital visitar seu Tibúrcio e levar Menininha para tomar a benção. Cedo já o empregado do Peitter tinha trazido o recado de dona Titã: era para tia Maria Clara levar a Menininha e um prato de comida para ela( Laus, 2006, p 41)

 O tempo psicológico aparece nas lembranças, nos sentimentos desses personagens. Sentimentos de saudade, de tristeza, de medo, de angústia.

Ela mesma tinha mágoa das amargas palavras que dissera na hora das raivas. Mas, que fazer, quando um marido pobre, com cinco filhos se mete na política? Só mesmo metendo a língua! Tinha pesar sim. A casa tivera de ser hipotecada. A casa. Mas as terras, nem mais um pedaço!( Laus, 2006, p46)

Lembranças das enchentes que assombravam o Vale, das humilhações e temores em se viver nem uma nova terra.

À noitinha, todos os que podiam foram à capela para a benção. Chorava-se e rezava-se, enquanto a chuva, lá fora, em cantochão, continuava em fúria. As vozes saíam límpidas, num cristal penetrante até a alma. Eram rezas de dor, eram cânticos de socorro, eram lamentações de desespero.(Laus, 2006, p69)

Em relação ao espaço, que segundo Bonnici e Zolin é o que compreende o conjunto de referências de caráter geográfico e se caracteriza como uma referência material que situa o lugar onde personagens, situações e ações são realizadas, podemos citar como principais a casa da família Ziegel e Blumenau:

Blumenau parece um jardim, não é dona Maria Clara? Não sei como tudo pode florir o ano inteiro. O calor do verão não mata a verdura e o colorido. Sempre penso que os alemães de tanto estudar as flores, sabem o que plantar em cada estação. O vale e o rio, entre as montanhas que se alinham em volta, dão a impressão de outro país, outras terras, que a gente aprende a ver no mapa e na história Universal. As casas são diferentes a maior parte com tijolinhos vermelhos, com riscos pretos de madeira, em moldura geométrica, formando ângulos perpendiculares. Lá em cima, a janela principal do segundo andar tem sempre uma jardineira cheia de flores.(Laus, 2006, p41)

Vários ambientes foram criados nesses espaços, de tristeza com mortes e desavenças, de angústias e preocupações,com as chuvas e repressões políticas.

Quando cheguei na Velha, tia Maria Clara chorava. Cidinha ainda não tinha aparecido, e ela me apertou tanto, que seu vestido ficou molhado também. Na sala, Dora, Menininha, o Zeca de Blumenau, seu João Born, o coletor estadual, que era grande amigo nosso e tinha vindo de Florianópolis ao mesmo tempo em que nós viemos de Itajaí.(Laus, 2006, p59)

Mas também houve momentos de alegria, com casamentos, festas e nascimentos.

Naquela noite era festa na colônia. A caça fora farta. A grande fogueira trazia o clarão até a fresta, onde a cortina fina e fluida se abria levemente. De repente, de cansaço dormira. Um hálito de licor de framboesa lhe recheava a face, um leve perpassar em seu rosto, como a suave brisa de abril.(Laus, 2006, p24)

Enfim, pode-se dizer que o autor procurou descrever a vida de uma família de imigrantes em Blumenau que viveu lutando com muitas desilusões, mas também houve muito romance, muita felicidade. Lembranças que deixaram marcas, acontecimentos registrados em diários e que, ao serem lidos, por serem tão bem descritos, poderiam ser vivenciados. A trama envolve o leitor e a revelação de um grande segredo no final torna o romance mais prazeroso, pois durante a narração não se percebe nenhuma pista de que há alguma coisa errada, a não ser pelas inquietações de Homig querendo saber em que lugar da Alemanha estaria Hilda.

Referências

LAUS, Lausimar. O guarda-roupa alemão. 4ª ed. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006.
BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana. Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Universidade de Maringá, 2003.
MASSAUD, Moisés. Guia prática de análise literária. 4ª ed. São Paulo: Cultrix, 1974.

 
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