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“O espetáculo mais triste da Terra” Imprimir E-mail

capaEm 2011 o jornalista Mauro Ventura lançou, pela Companhia das Letras, o livro “O espetáculo mais triste da Terra: o incêndio do Gran Circo Norte-Americano”, no qual procura construir um relato possível a respeito de uma das maiores tragédias da história circense de todos os tempos: o incêndio que em 17 de dezembro de 1961 destruiu o circo de Danilo Stevanovich, matando centenas de pessoas. O Sarau Eletrônico comenta o livro.

“O espetáculo mais triste da Terra”

Viegas Fernandes da Costa

capaInteressante observar o investimento do mercado editorial brasileiro no gênero livro-reportagem, principalmente em relação aos trabalhos que lançam um olhar para alguma peculiaridade de nossa história. Não é novo, sabemos, o flerte do jornalismo com a historiografia, ainda que a recíproca – esta sim – constitua-se enquanto novidade, porém chama a atenção este interesse cada vez maior dos jornalistas brasileiros em produzir grandes reportagens concebidas para as páginas de um livro.

Mauro Ventura, repórter de O Globo, é um destes jornalistas “fisgados” pelo livro-reportagem. Em 2011 lançou, pela Companhia das Letras, o livro “O espetáculo mais triste da Terra: o incêndio do Gran Circo Norte-Americano”, no qual procura construir um relato possível a respeito de uma das maiores tragédias da história circense de todos os tempos: o incêndio que em 17 de dezembro de 1961 destruiu o circo de Danilo Stevanovich, matando centenas de pessoas.

O Gran Circo Norte-Americano era, àquele tempo, um dos maiores circos latinoamericanos, não apenas pelas dimensões do seu picadeiro, mas também pela complexidade de sua estrutura humana e de espetáculos. Quando se instalou na cidade de Niterói (RJ), estada fatídica, mobilizou boa parte da sua população em suas sessões. Frequentavam-no tanto os moleques da rua quanto os filhos das elites. Apesar de separar os espectadores em setores que produziam distinções sociais a partir da distinção econômica promovida pelos diferentes valores de ingresso, pode-se dizer que o enorme toldo do “Gran Circo” era bastante democrático. Assim, a tragédia de dezembro de 1961 não fez distinção social dos seus mortos, e abalou boa parte das famílias de Niterói.

Apesar da enorme repercussão de mídia que o incêndio, e seus desdobramentos, obteve, não apenas no Brasil, mas também na grande imprensa nacional, pouco permaneceu para a posteridade. Todo trauma da tragédia fez com que as pessoas preferissem “esquecer” o assunto, e ainda que sempre ávidos por fatalidades, difícil foi para os jornais alimentar por muito tempo o sensacionalismo a respeito do fato, dadas as particularidades do caso: afinal, centenas de crianças morreram queimadas ou padeceram dores inenarráveis em camas de hospitais, quando se pensavam seguras em um espaço onde o prazer do riso deveria imperar. Assim, praticamente cinquenta anos depois do incêndio, Mauro Ventura teve que construir uma narrativa pouco explorada e estudada, recorrendo às memórias já muito misturadas aos mitos ou ao esquecimento (quando não a ambos) daqueles que sobreviveram ou que de alguma forma vivenciaram os acontecimentos, bem como aos arquivos de jornais, cujos textos produzidos sob a pressão do tempo e da passionalidade produziam exageros, contradições e omissões.

A narrativa construída por Mauro Ventura em “O espetáculo mais triste da Terra” em muitos momentos resvala para o discurso piegas. Este é o aspecto negativo da obra. Por outro lado, há de se reconhecer o imenso trabalho de pesquisa do autor, que ouviu dezenas de pessoas, colheu depoimentos, consultou milhares de páginas da imprensa da época e visitou os espaços implicados na tragédia. O resultado é uma reportagem bastante completa que discute não apenas o incêndio do Gran Circo Norte-Americano, mas também desenha uma época, além de apresentar uma série de curiosidades envolvendo personalidades da cultura brasileira, como o Profeta Gentileza, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, desportistas como Pelé e Garrincha e líderes religiosos como Chico Xavier e o Papa João XXIII.

Neste flerte entre reportagem e historiografia, “O espetáculo mais triste da Terra” consegue aprofundar a dimensão do trágico na medida em que tenta construir uma imagem do cotidiano das pessoas envolvidas no incêndio, seja como vítimas, como responsáveis pela tragédia ou como agentes do alívio possível, costurando o público e o privado e humanizando a fatalidade (sob todos os sentidos). Um trabalho complexo e bastante rico.

 
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