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Sálvio Alexandre Müller: Discutindo a Universidade Imprimir E-mail

Em homenagem ao filósofo, antropólogo e professor Sálvio Alexandre Muller, morto no dia 23 de maio de 2008, o Sarau Eletrônico publica esta entrevista inédita, concedida ao projeto “História da Universidade Regional de Blumenau”, em 1998, e que pertence aos arquivos do Centro de Memória Universitária da FURB. Nesta entrevista Sálvio fala da sua trajetória acadêmica, da História da FURB e do ensino superior no Brasil. Um documento que merece nossa leitura e debate.

DISCUTINDO A UNIVERSIDADE 

Salvio1O Professor Sálvio Alexandre Müller , filósofo, antropólogo e intelectual da educação, nasceu em Rio do Sul em 10 de novembro de 1945.  Reconhecido como uma das principais referências no ensino superior de Santa Catarina, trabalhou na FURB por 25 anos, onde atuou como professor, integrou diversas comissões especiais e ocupou diversos cargos, como o de coordenador de Assuntos Comunitários e de Desenvolvimento, membro da comissão especial que elaborou a proposta de modelo organizacional da Universidade Regional de Blumenau (1984), diretor do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (1985), da Editora da FURB (1994-1997) e do Instituto de Pesquisas Sociais (1994-1997) e chefe do Gabinete da Reitoria (1997-1998). Ao falecer, na madrugada do dia 23 de maio de 2008, aos 62 anos, estava coordenando o Programa de Preservação Histórica e Patrimonial da Região de Usina Salto Pilão, e era professor e conselheiro sênior da UNIASSELVI.

Autor de inúmeros artigos distribuídos por jornais, revistas e anais de todo país, Sálvio Alexandre Müller chegou a publicar o artigo “A natureza brasileira segundo dois cronistas no período colonial” na Revista Brasileira de História (set. 1990/fev. 1991), principal revista de historiografia do Brasil. Sálvio ainda organizou e coordenou diversos livros e é autor de “Opressão e Depredação: a construção da barragem de Ibirama e a desagregação da comunidade indígena local”, livro publicado pela Editora da Furb em 1987.

Como antropólogo, trabalhou junto aos índios Xokleng, sob a orientação de Sílvio Coelho dos Santos .

Em homenagem a este professor e intelectual que tanto contribui para a educação e a cultura em Santa Catarina, o Sarau Eletrônico publica esta entrevista, concedida por Sálvio Alexandre Müller em 17 de abril de 1998 para o projeto “Universidade Regional de Blumenau e sua História”. Participaram da entrevista Balbino Simor Rocha , Viegas Fernandes da Costa , Clarice Ehmke e Richard Huewes. Dada a natureza do projeto para o qual o depoimento foi colhido, o conteúdo do mesmo trata da história acadêmica do professor Sálvio e da Universidade que ele ajudou a construir.

Apesar de possuir alguns trechos publicados no livro “Memórias da FURB: (1964-2004) ”, organizado por Roberto Marcelo Caresia e Liane Kirsten Sasse , esta entrevista permanecia inédita, e seu original encontra-se sob a guarda do Centro de Memória Universitária (CMU)/FURB.

Para esta edição do Sarau Eletrônico, procedeu-se uma revisão, limpeza e edição do texto original, sem que se alterasse o conteúdo das informações fornecidas pelo professor Sálvio Alexandre Müller , à época Chefe de Gabinete da Reitoria da FURB.

[Revisão e Edição: Viegas Fernandes da Costa / Fotos(Acervo CMU):Rogério Pires, Jorge Alfredo Holetz e Roberto Luiz Sem /  Seleção de Fotos: Liane Kirsten Sasse]

Há quanto tempo o senhor está na FURB? Pode nos contar um pouco da sua história de vida e acadêmica?

Salvio2Eu entrei na FURB no dia 1º de março de 1973. São vinte e cinco anos! Sou licenciado em Filosofia pela Faculdade Nossa Senhora Medianeira, dos jesuítas, em São Paulo.  Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina, opção Antropologia. Também terminei os créditos e defendi a pré-qualificação do doutorado em História na Universidade de São Paulo. Nasci em Rio do Sul, mas vim para Blumenau com dois anos e meio de idade. Meus pais são de Gaspar. Meu pai morou em Blumenau desde os sete anos de idade. Quer dizer, sou do Vale.  A típica família que circulou no Vale.  Era característico, aqui, nessa época, essa circulação no Vale mesmo.  As pessoas iam de um lugar para outro.  Assim como hoje se vai para São Paulo ou Rio para buscar emprego, meu pai foi para Rio do Sul porque foi convidado para trabalhar como vendedor. Naquele tempo chamava-se caixeiro viajante.  Ele era representante de uma loja chamada “Loja União”.  Viajava de “Ford bigode”, aquele Ford 29, ou então de “aranha”, uma espécie de charrete puxada por um cavalo e onde ele empilhava rádios e outras bugigangas daquela época. Os rádios estavam surgindo, em 1944/1945, e ia vendendo no interiorzão aí: Dona Ema, Witmarsum, Ituporanga, nesses interiores do Alto Vale. Vendia de porta em porta para a Loja União.  Era uma região grande.  Depois ele não quis mais e voltou para  Blumenau.  Achou melhor voltar para Blumenau. Na verdade, meu pai era gráfico. Começou a trabalhar na gráfica com 14 anos. Esse negócio de ser caixeiro viajante foi uma doideira que deu na cabeça dele que durou um espaço curto de 3 anos.  Mas desde os 14 anos de idade ele foi gráfico, e morreu trabalhando dentro da gráfica.

Quando o senhor começa seus estudos?

Eu comecei a estudar em casa. Com três anos e meio já sabia ler e escrever.  Entrei na escola com oito anos, e fui direto para o segundo ano, no Colégio Sagrada Família, onde a irmã Clotilde era diretora e dizia: “é, eu vou colocar ele no 2º ano porque eu não sei onde o colocaria”.  Podia ser no 3º, 4º, ela resolveu colocar no 2º por causa da idade, 8 anos.  Depois estudei também no Luís Delfino. Em 1957 entrei no seminário, com onze anos. O seminário chamava-se São José, em Rio Negrinho, dos padres do Sagrado Coração de Jesus.  Era um seminário onde se fazia uma primeira seleção dos futuros candidatos ao sacerdócio.  Lá fiquei alguns meses. Depois fui para o seminário de Corupá, que era onde a gente tinha ginásio e 2º grau, isso em 58.  Entrei e então fiz a 1ª série ginasial, eu estava com 12 anos. Aí eu fiquei e fiz o ginásio – naquele tempo se chamava de ginásio. Fiz os quatro anos de ginásio e os três anos de colegial.  Depois mudei, saí de Corupá e fui para o noviciado e me tornei religioso.  Começou uma outra fase da vida do seminarista que eu chamo de seminarista maior.  Então fiz o noviciado, por causa da vida religiosa, que é um processo de iniciação todo específico da igreja.  Depois eu fiz Filosofia Escolástica por dois anos em Brusque e depois a Teologia em Taubaté, por 4 anos. Em Brusque estudei no convento Sagrado Coração de Jesus, atrás da Igreja Matriz no Centro. Só que o convento hoje dá a impressão, para quem olha de longe, que é um conjunto populacional daqueles bem vagabundos.  No meu tempo era um velho convento feito em l9l8, lindíssimo, com arcadas e capela subterrânea feita de pedras. Um edifício lindíssimo que foi simplesmente arrasado e feito um cortiço em cima. Quer dizer, infelizmente muitos dos nossos padres perderam aquele senso de estética e toda uma tradição da Igreja de construção conventual característica, muito bem feita, com arte. Depois fui para Taubaté cursar Teologia. Lá fiquei 4 anos, e ao mesmo tempo ingressei na Faculdade Nossa Senhora Medianeira, na cidade de São Paulo, para completar os estudos de Filosofia Escolástica. Nesse tempo a gente só fazia isso, só estudava, e tinha todo um horário próprio para fazer as duas coisas juntas.

O senhor terminou os cursos em Taubaté e em São Paulo?

Eu resolvi sair do seminário. Não cheguei a ser ordenado sacerdote. Faltando 7 meses eu caí fora, foi em maio de 72. Aí eu vim para Blumenau, resolvi descansar alguns dias na casa dos meus pais e disse: “bom, agora eu vou procurar emprego”. Comecei pela fábrica que eu achava que era a mais longe de casa. Nós morávamos na Ponta Aguda: fui na Artex.  Eles já me pegaram por lá mesmo, não tive a 2º chance. No dia seguinte já comecei na Artex, dia 14 de junho de 72. Trabalhava no setor de exportação e cuidava dos contratos de câmbio entre os bancos estrangeiros. Em dezembro o padre Orlando, que era o reitor da FURB, me procurou para eu dar aula lá. Desliguei-me da Artex e entrei na FURB. O padre Orlando havia sido meu professor em Brusque.

Então o senhor ficou pouco tempo na Artex.  Nem deu tempo para esquentar muito!

Não, não! Eu seria hoje vendedor de toalhas, provavelmente.

É interessante, o senhor saiu daqui, embora tenha estudado nessa escola católica, faz toda uma preparação fora, vai a Brusque, vai a Taubaté, vai a São Paulo...

Eu não sou formado na FURB, não sou “prata da casa”. Vim de fora para dentro, embora seja do Vale. Muitos dos meus colegas, que tiveram um caminho parecido com o meu, foram e ficaram em São Paulo, não voltaram para o interior, para a província. Eu fiz questão de voltar, embora eu gostasse muito de São Paulo e, de alguma forma, nunca me desliguei de São Paulo, sempre continuei me referindo a São Paulo, acabei fazendo doutorado lá. Mas sempre preferi nossa região. Nunca senti tentação de morar fora do Vale do Itajaí, sempre me ambientei aqui.

Como foi a sua entrada na FURB a partir desse convite?

O padre Orlando foi um dos fundadores da FURB. O professor Martinho Cardoso da Veiga, o padre Orlando Maria Murphy, o Rivadávia Wollstein, o professor Milton Pompeu da Costa Ribeiro, o professor Rômulo Silva, o professor Diderot Carli, e o então secretário, que era o professor Mário Wisintainer, são os fundadores da FURB. E o padre Orlando lecionava Sociologia para todos. Como reitor ele não tinha mais condições de lecionar, e por isso veio atrás de mim. Eu fui o segundo professor de Sociologia na Universidade. Depois, em 75, entrou o professor Antônio Francisco Boing também para lecionar Sociologia. As primeiras turmas para as quais lecionei Sociologia foram as de Pedagogia e Letras. Depois também para Direito, Engenharia, Economia, zanzei por tudo. E aí abriu a oportunidade no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina. Em l978, abriu um curso de especialização em Antropologia e Sociologia, fiz esse curso, fui da primeira turma. E em 8l abriu o mestrado, fiz em seguida. O meu orientador sempre foi o Professor Sílvio Coelho do Santos. Não sei bem porque cargas d’água me inclinei para a Antropologia. Hoje, refletindo melhor, vejo que fui por afinidades. Encostei-me na Antropologia em vez da Sociologia pelo fato de que na Antropologia tinha um professor que me despertou a curiosidade em ter aulas com ele, que foi o Paul Aspelind, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Senti necessidade de ter contato com alguém assim, desse porte, um professor muito bom. E embora eu soubesse muito pouco de Antropologia Cultural, logo me senti com afinidade por causa da formação filosófica. Principalmente porque eu tive muito contato com professores alemães para os quais a antropologia é sinônimo de filosofia e não de Ciências Sociais. O professor Sílvio se interessou em me orientar porque eu morava em Blumenau e isso facilitava o estudo dos Xokleng. Então eu seria o ponto de contato. Facilitaria para ele e para a própria Universidade Federal ter alguém do Vale estudando a população Xokleng. Por isso a tese nessa linha de estudos indígenas. O trabalho dele já era anterior. Ele defendeu a tese de doutorado em 1972, e depois foi publicada com o título de “Índios e Brancos no Sul do Brasil ”.  O professor Sílvio não é sociólogo e nem antropólogo, ele é formado em história, licenciado em História. Acabou fazendo doutorado em antropologia porque se interessou pela história dos índios e dos imigrantes. Foi para São Paulo fazer o doutorado. É um historiador que veio para a antropologia. Mas ele começou a estudar os Xokleng em 62. Logo no início da Universidade Federal. A Universidade Federal foi fundada nessa época. A Universidade, se não me engano, começou em 1960 ou 59, com Juscelino Kubitschek.

Como é e era a FURB quando o senhor chegou?

Salvio3Quando eu comecei, a Universidade era o bloco “Z”, que era bem novinho, o “A”, o “B”, o “C”, o “D”... e o “F”. Não existia o bloco “G”. Ali na frente, onde é o DCE, tinha um prédio velho, tinha um restaurante embaixo, em cima era um pardieiro. Onde hoje é o serviço judiciário, onde hoje é o SEBRAE, ali era um posto de gasolina. Aquela casa que tem atrás do DCE era de uma família, tinha a cerca, tinha uma estradinha, entrava carro. A Antônio da Veiga não existia, o que existia era uma estrada estreitinha que ia até a Vila Nova. E foi com a Universidade, então, que se fez essa avenida grande. Essa região era ainda altamente desabitada, tinha pasto, gado, tudo. O prefeito Zadrozny fez então a rua Antônio da Veiga, que era o irmão do Martinho Cardoso da Veiga, contador da fábrica “Chapéus Nelson” e depois da Maju. Mas isso tudo era um capoeirão. Tinha árvores bonitas!  Tinha também um ribeirão que passava pela Cremer, que jogava seus dejetos ali. Por isso a FURB teve que canalizar uma parte do ribeirão.  Mas era um brejão, e a FURB foi brigando e foi ocupando isso, porque esses terrenos não eram nossos.

E os professores dessa época?

Todos me conheciam e eu conhecia todos.  O nosso grupo docente era bem pequeno. O interessante é que tinha a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras que servia a todos os outros centros, nós atuávamos como a base de tudo. Quando eu entrei a FURB tinha 9 anos, e a Faculdade de Filosofia dava unidade para o complexo de Faculdades, porque tanto a Faculdade de Direito, quanto a de Engenharia, a de Ciências Econômicas e depois a de Educação Física, serviam-se dos professores de base, todos dentro da Faculdade de Filosofia. O segundo reitor já era da Faculdade de Filosofia. O 2º, 3º e 4º: o Professor Padre Orlando Maria Murphy, o Professor Ignácio Ricken, o Professor José Tafner. Então ela comandou durante 12 anos.  Só depois é que entrou o Dr. Arlindo Bernart, do Direito, entrou novamente o José Tafner, e depois o Professor Celso Mário Zipf e o Professor Mércio Jacobsen que são das Ciências Sociais Aplicadas. O prefeito Lazinho escolheu o Padre Orlando, porque a FURB estava rachada entre o Milton Pompeu da Costa Ribeiro, que era das Ciências Econômicas, e o Dr. José Fernandes da Câmara Canto Rufino, que era da Justiça do Trabalho e que comandava o Direito. Os dois simplesmente entraram em choque direto, e nenhum aceitava o outro como reitor. Quer dizer, se um dos dois fosse nomeado reitor, a FURB deixava de existir já no seu nascimento.  A Faculdade de Direito se separaria ou a Faculdade de Ciências Econômicas se separaria. Então o Lazinho, muito inteligentemente, nomeou o Padre Orlando, que era da Faculdade de Filosofia, e ele conseguiu desarmar os ânimos e a partir daí a FURB realmente se solidificou como uma unidade. A Faculdade de Filosofia, tanto em termos de atendimento acadêmico, quanto em termos de conciliador político, foi o cimento que possibilitou a existência da FURB como uma unidade. Eram 5 faculdades, facilmente elas podiam se separar, cada unidade era praticamente independente. O que as fez dependentes umas das outras foi exatamente porque elas não tinham o básico. Toda a sociologia, português, línguas, as matemáticas básicas, tudo isso estava na faculdade de Filosofia. Ela teve desde o início essa vocação de centro de ciências básicas. Tanto que depois, com o processo de universidade, em 1986, dessa faculdade saiu o Centro de Ciências Exatas e Naturais, saiu o Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes e o Centro de Educação. Três centros saíram dessa faculdade. Três centros!  Mas quando eu entrei aqui a faculdade tinha um pouquinho mais de 100 professores, era um corpo docente ainda bastante restrito e o número de alunos também era muito restrito.

E esse modelo de se buscar uma base nas filosofias, é um modelo europeu?

Bem europeu! A Universidade Regional de Blumenau nasceu extremamente conservadora em termos de estrutura universitária. Era uma estrutura, toda ela, em cima das faculdades.  Faculdades que tendiam naturalmente a se tornar institutos ou terem institutos como seus braços na área de prestação de serviços e de pesquisa, tanto que em 68 já surge o primeiro instituto: Instituto de  Planejamento e Desenvolvimento Urbano, ao qual pertencia o Profº Diderot Carli e o Profº Victor Fernando Sasse, o IPLAN. Ele foi criado exatamente para dar apoio ao desenvolvimento econômico regional, para planejar não só o município de Blumenau, mas todos os municípios do Vale do Itajaí. Logo o Padre Orlando montou duas extensões: uma em Rio do Sul e outra em Brusque. Estas eram extensões universitárias que depois se transformaram em fundações próprias. Isso explica em parte aquilo que eu chamo de um constante sentimento de desajuste institucional. Ou seja, a gente sempre tem a impressão que esses centros estão artificialmente montados, e a gente sempre tem a tentação de rearrumar, reagrupar.  É porque esses centros foram enfiados goela abaixo da nossa comunidade acadêmica pelo Ministério da Educação. Para que fôssemos reconhecidos como universidade, tivemos que nos adequar inteiramente à lei 5540, que estruturava em centros e em departamentos, jamais em faculdades. É claro que das grandes universidades brasileiras, nenhuma aceitou esse modelo, todas continuaram com suas velhas faculdades, e até hoje funcionam dessa forma. E nesse sentido a única universidade que seguiu a lei 5540, e tem uma estrutura realmente de universidade americana, fundada em cima de departamentos, é a UNICAMP, que surgiu em 69, 70. E ela nasceu em cima da Faculdade de Medicina, que é um outro tipo de estrutura. Mas nós tivemos que engolir uma estrutura de centros.

Para não perdermos essa questão dos centros, eles também tinham muito essa coisa de centralizar as atividades, o que estava relacionado com o momento histórico que estava se vivendo: a ditadura que também centralizava, que não aceitava o poder diluído.

As faculdades descentralizavam, e o órgão máximo da faculdade era a Assembléia dos Professores. O diretor da faculdade era controlado. O seu poder emanava da Assembléia da faculdade, que a gente chamava de congregação.  Então a congregação era o órgão máximo de decisão.  A congregação era o que hoje seria o Conselho Universitário em nível de universidade. Mas cada faculdade era a totalidade de seu corpo docente.  Então havia uma participação mais intensa de todos os professores no processo administrativo, porque a faculdade era menor do que uma universidade, e aí era representativa, era assembleísta. Não tinha representantes de professores, todos os professores eram membros da congregação.

E já se cogitava desde o princípio a criação da Faculdade de Medicina?

A Faculdade de Medicina foi imaginada junto com a Faculdade de Direito e a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. As 3 eram para ser implantadas em 68, mas o Ministério da Educação cortou a Faculdade de Medicina, não aceitou, não autorizou a implantação. Só autorizou a implantação de Direito e Filosofia. Segundo o Ministério, não tínhamos o mínimo de estrutura acadêmica em termos de doutores e mestres para sustentar um curso de Medicina.  Quer dizer, não é que não tínhamos, tínhamos bons médicos, eu creio que em certos aspectos nós tínhamos pessoas idealistas tanto quanto hoje, e bons professores, mas o problema é que não se concebia no MEC, e muito menos em Florianópolis, um curso de Medicina no interior. O de Florianópolis era recém implantado. O veto à Faculdade de Medicina foi política, porque a prefeitura deu todas as condições.  O parecer do MEC não foi verdadeiro, a prefeitura doou o hospital para a universidade. O Hospital Santo Antônio pertenceu durante 3 anos à Fundação Universidade de Blumenau

Já se sonhava com uma universidade mesmo, não só com uma fundação?

Interessante, a FURB tem 2 origens, e isso também é uma característica só nossa que muita gente esquece de acentuar.  Um dos pilares da FURB é a Faculdade de Ciências Econômicas, que é uma coisa, ela tem tradição própria. Outra coisa é a FUB, ou seja, aquela fundação feita pelo Zadrozny, que envolve a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, a Faculdade Ciências Jurídicas e a Faculdade de Medicina, que foi abortada, mas era para ter nascido junto.  Por isso também que o Centro de Ciências Sociais Aplicadas é uma espécie de “planeta vagabundo”, planeta no sentido grego “planetes”, um vagabundo dentro da universidade, ou seja, ele gira um pouco fora, excentricamente.  Porque ele, em si, na verdade, é uma outra coisa. Foi uma escola fundada pelo Dr. Martinho em 1964, que depois foi puxada para dentro da outra, já que não tinha sentido ficar sozinha. Mas só em 68 se pensou em universidade. Por isso, na FURB, há certas idiossincrasias, e por isso também sempre esse eterno mal-estar, essa tentativa de arrumar os centros porque nós não nascemos centros, nós nascemos como 5 faculdades.  Isso deveria ser repensado em termos de história, porque assim fica mais fácil você compreender esse desenvolvimento, essas oscilações e essas eternas tentativas de rearrumar os centros. Veja bem, o Centro de Ciências Humanas nunca mais se rearrumou depois que foi desmanchada a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, porque era uma faculdade e ao mesmo tempo um grande centro. Ela tinha os departamentos básicos, os 5 departamentos básicos da universidade estavam ali.

Como eram as aulas, quanto à metodologia, à pedagogia utilizada, ao cotidiano da sala de aula, quando o senhor começou a lecionar na FURB?

Salvio4Eu sempre digo que a FURB é uma filial da igreja.  A maioria dos professores era ex-seminarista, ex-padres. O Padre Orlando era padre, o Ignácio Ricken foi seminarista, o José Taffner foi quase padre, o professor Almerindo Brancher foi quase padre, eu fui quase padre.   Estou falando dos que foram diretores de faculdades.  A filosofia, esse centrão, tinha uma fortíssima influência de ex-seminaristas. Então qual era a pedagogia dominante?  Era a pedagogia aplicada nas igrejas, nos seminários. Sempre aquele sentido de disciplina, o sentido do mestre que fala e não dos alunos que participam, uma pedagogia bem tradicional, da cátedra. Já o direito por si mesmo sempre foi catedrático, os mestres e doutores do direito sempre pregaram e não ensinaram.  E dentro da filosofia o elemento renovador vinha das Ciências, que tinham mais pessoal não ligado à igreja.  E depois as engenharias; as engenharias vão formar uma coisa inteiramente à parte, porque eram professores engenheiros, gente que não tinha origem na igreja, mas uma origem completamente diferente. Eram de centros e universidades tecnológicas.

É interessante observar que os primeiros professores estudaram em estabelecimentos católicos.

Sim, todos.  Inclusive o professor Milton e o professor Martinho.  E aqui de Blumenau todos tinham passado pelo Santo Antônio. Sempre digo, o Frei Odorico sempre  teve uma forte influência aqui. Então as aulas eram realmente tradicionais, aulas do tipo que eu chamo magistrais. Chamo de aulas ou pedagogia magistral aquela em que o mestre fala e os alunos escutam. Isso começou a mudar com a professora Hella Altenburg. Quando ela entrou na universidade, entrou para trazer o quê?  Para trazer a experiência dela de mais de 20 anos de ensino de primeiro grau, e depois junto vem a Gertrudes Knihs de Medeiros, mas principalmente a professora Hella; ela introduziu a preocupação com a didática.  Ela foi a primeira professora que se preocupou realmente com a didática. E ela não só se preocupou com as aulas dela, mas procurou influenciar as outras pessoas para trabalharem também didaticamente, com novas metodologias.  E como ela e a Gertrudes fizeram o mestrado na Federal do Rio Grande do Sul, elas trouxeram as preocupações pedagógicas da Dra. Juraci, skinneriana, mas era uma pedagogia que procurava trabalhar o aluno de uma forma muito mais dinâmica que a aula magisterial, sem dúvida! A professora Juraci fez escola no Rio Grande do Sul.  A maioria das faculdades de educação tinham aquela característica. Mas a professora Hella foi um marco importante dentro da universidade.  Foi ela que introduziu essa preocupação com a didática. Senão aquilo era aula magisterial, o professor chegava na sala de aula e lançava o verbo!  Eu mesmo era um característico “magister”, falava como um condenado!  Esbravejava e falava a aula inteira.  Claro, a gente tinha muita facilidade em falar, muito treinamento, muita leitura.    Mas não era uma aula no sentido participativo, era e continuava sendo o modelo magisterial, magistral. Algumas salas tinham um estrado um pouco mais alto na frente, que depois desapareceu. Os primeiros professores da FURB caracterizavam-se por um estilo personalista que, aliás, sempre fundamentou não só a escola superior brasileira, mas a escola latina de um modo geral.  Cada professor é um professor. Isso é característica do Renascimento italiano que ficou marcado profundamente em nós, de que cada pessoa é um indivíduo irredutível.  A tanto que em Florença não existiam duas pessoas que se vestissem iguais. Se você quisesse ter a morte da moda, era em Florença no Renascimento; cada pessoa se vestia do seu jeito, fazia a roupa para o seu gosto, da sua maneira, com as cores que gostava. Assim também cada professor era um professor, uma sabedoria, um universo ele sozinho. Ele não se referia a nada e a ninguém, a não ser a si mesmo como fonte do saber. Havia um forte personalismo, uma forte marca de individualidade nos primeiros professores.  Então o professor Milton era o professor Milton, o professor Orlando era o professor Orlando, o professor Rufino era o professor Rufino.  As características pessoais se colavam às suas características de professor, às suas idiossincrasias pessoais, e isso criava um folclore.  A universidade era cheia de estrelas, cada um com a sua grandeza própria.  Mas isso não é da FURB, isso é brasileiro. A FURB obedeceu a esse padrão no começo. Principalmente porque o modelo europeu era a aula magisterial.  Na Europa até hoje o professor entra e tem lá 300, 500 alunos, um enorme auditório. Ele dá a aula magisterial, mas tem uma porção de monitores que depois vão cobrar, vão fazer as provas, vão cobrar as leituras. E esse modelo de pequenos grupos trabalhando intensamente junto com o professor, isso é modelo americano.  Na Caltec, na Californi An Tecnological University, o professor diz: “esse mês nós vamos estudar as epífitas”, e pegam  o avião e vão para a África estudar as epífitas, e ficam lá 2 ou 3 meses na África, aquele grupinho de 5 alunos com o professor estudando no campo, descobrindo, fazendo tratados. Quer dizer, esse modelo americano da busca intensiva do conhecimento, isso nunca pegou no Brasil, a não ser nesses centros de excelência, como é o caso da Unicamp.  Claro, nós também não temos dinheiro para esse tipo de escola. Mas claro, também lá está cheio de universidade que é porcaria. Os pobres têm as mesmas porcarias que têm aqui. E são poucas essas escolas de elite, Harward, Yale, Stanford, Caltec, M.I.T., o primeiro time das universidades americanas não é tão grande assim. Tem universidades lá que você pode comprar o título de doutor em 6 meses, pagando tu entras. Tu fazes os créditos e a tese em 6 meses, tudo junto, e sai como doutor!

Como eram os alunos naquele tempo?

Os alunos eram de um tipo que hoje está desaparecendo. Naquele tempo 90% deles eram pessoas que já eram profissionais, já trabalhavam há tempo, muitos deles nas suas empresas, e vinham obter um título, por um lado, e obter um pouco mais de metodologia dentro do seu  “metier”. Então eram alunos como, por exemplo, o Marcos Büchler, falecido, o Vilmar Schürmann, o Salles, Ingo Greuel. Pessoas que ainda estavam em plena força de suas atividades empresariais, muitos deles abriram suas empresas depois que começaram aqui no curso. Então era um pessoal que vinha aqui com este objetivo, eles não incomodavam.  Era o tipo do aluno bonzinho para a aula magisterial, porque ele não incomodava, ele estava aqui, fazia as suas anotações, queria saber as datas das provas, estudava aquilo que era para prova, estava interessado em passar. Não era o aluno clássico de universidade. Ou seja, aquele sujeito que sai do segundo grau, está descobrindo o mundo, está descobrindo uma série de coisas, está descobrindo a si mesmo. Não! Quer dizer, nós não temos um noviço. Nós temos uma pessoa que vem aqui para uma atividade específica, extremamente racionalizada, com um objetivo muito bem precisado, o mais rápido possível passar por aqui e não voltar. “A Universidade é um mal necessário”. Quer dizer, ele tem que passar. A vida acadêmica não era compreendida, tanto que professores em tempo integral eram pouquíssimos. Eram poucos os professores que se dedicavam à Universidade. A maioria deles estava em suas empresas. Eles vinham como os alunos, de noite, para a aula. Os cursos diurnos também eram poucos e estavam na área da Faculdade de Filosofia e na de Engenharia e, depois, na Faculdade de Educação Física. Ciências Econômicas e Direito eram exclusivamente noturnos. Na área da Filosofia tinha alguns cursos noturnos também, mas era mais na área pedagógica, Pedagogia e Letras. Mas o curso de História Natural agrupava alunos recém egressos do 2º grau que entravam na Universidade para depois seguir uma carreira acadêmica, queriam ser professores na área acadêmica. Eles, por exemplo, acham que voltar para Universidade é uma boa. Não sair da Universidade é melhor ainda.  Hoje a Universidade está cheia durante o dia também. Principalmente por causa desses cursos mais intensivos, Medicina, Psicologia. Então há uma mudança, sim. Uma mudança muito grande. Hoje em dia nós temos ainda, à noite, esse tipo de aluno, mas está ficando cada vez mais raro, não é tão comum. E principalmente à noite, você tem muitos jovens nos cursos. Mesmo nos cursos noturnos você tem muita gente nova também, saindo do colegial. E esse cara é diferente daquele lá da década de 70, a maioria tinha mais de 30 anos, ou pelo menos mais de 25. Até porque, quando surge em Blumenau um curso superior, quem vai freqüentá-lo é exatamente aquela demanda reprimida daqueles que tinham vontade de ter um curso superior mas que não tinham condições de sair. Então nós temos também professores que apresentam o mesmo perfil, como por exemplo o professor Celso  Zipf, que era do Banco do Brasil e foi nosso aluno. Félix Christiano Theiss, que foi prefeito em 74, o Schürmann que aqui dentro criou a Ceval. O Salles e o Greuel que fundaram o Cetil. Hoje a FURB já é bem mais Universidade no sentido clássico, ou seja, de jovens.

Os alunos não questionavam a didática?

Não. Eles xingavam com os professores ruins, claro, evidentemente eles não eram tão estúpidos assim, mas também eram mais conformados. Hoje, não! Hoje nós temos um aluno que quer se relacionar com o professor. E se o professor rejeita isso, se nega isso, aí começa o choque. A tanto que, por incrível que pareça, nós tínhamos que organizar a representação estudantil, nós professores, o Mário, eu, nós organizávamos o Diretório Central. O primeiro presidente do Diretório Central dos Estudantes foi o Roberto Diniz Saut. Mas nós o ajudamos, os professores tinham que fazer! Porque os alunos não queriam nem saber disso aí. A eleição era obrigatória porque senão ninguém vinha votar. Evidente que o regime militar tinha muita coisa a ver com isso. Era tão fácil, o reitor falava e ninguém estava aí. Só no começo de 80 começaram os primeiros movimentos mais inconformados. Claro, neste ponto a FURB repete, pontualmente, o período da história brasileira. Mas a idéia de DCE na época era, antes de tudo, de uma instituição dentro da Universidade, para apoiar a Universidade.  Era uma outra visão de DCE, não era uma visão reivindicatória.

Mais representativa de uma classe, categoria...

Não, era uma instituição dentro da outra com uma função de eleger os representantes dos alunos para cumprir a lei. Claro, também não existia a idéia de que o estudante vai se tornar militante partidário.  Era resquício da ditadura, não se concebia isso, era heresia, uma subversão, um estudante ser militante de um partido. Militante do PC do B, militante do PT, isso era uma heresia, o aluno tem que estudar, está aqui dentro para estudar, não para fazer política. O Cláudio Roberto Silva é o primeiro desses estudantes militantes que assume o DCE. Portanto assume o DCE com uma função política, não com uma função burocrática. Para vocês terem uma idéia, o padre Orlando era visto como um “comunista safado”, ferrenho, e muita gente se opôs ao Lazinho por ele nomear um comunista como reitor da FURB!

Um padre comunista?

Um padre comunista!  E o padre Orlando deve estar se revirando no túmulo cada vez que eu falo isso, em ser ele comunista!  (Risos) Porque ele era um homem crítico!  Ele era um homem da filosofia, tinha vivido oito anos na Europa, quer dizer, era um homem extremamente culto, sabia o que falava. Mas ele chegou a ser chamado no quartel para prestar esclarecimentos.

E os funcionários, os “operários” da universidade?

O primeiro funcionário registrado foi o Mário Wisintainer, que depois se transformou em professor. Isso foi muito bom, porque todos os funcionários que ascendiam dentro da universidade acabavam sendo professores.  Quer dizer, mesmo que começassem como funcionários, muitos deles acabavam dando aulas.  Tem exemplos interessantes assim.  Por exemplo, nós tínhamos uma funcionária, Dona Lidia de Oliveira, que começou como servente de serviços gerais. Aí ela resolveu terminar o supletivo, fez o vestibular, foi para a biblioteca, fez o curso de Letras, e passou a bibliotecária. Ela começou lá como servente! Mas de modo geral o funcionário ou emigrava para a docência, ou ele é sempre funcionário, quer dizer, é sempre um auxiliar, portanto, alguém que está num “patamar inferior”, num status inferior dentro da universidade.  É interessante, por exemplo, nós não termos uma carreira verdadeira de funcionários, de servidores que, por exemplo, termine no doutorado, o que nas grandes universidades é normal. Um administrador de universidade é um doutor! Como é que o cara vai administrar uma universidade se não é doutor?   Doutor em finanças, doutor em administração, existe toda uma carreira que prestigia o de nível mais alto possível.  Aqui não!  Aqui acha-se que funcionário vai só até segundo grau.  Não existe a carreira, não precisa mais do que isso. Quer dizer, há um desestímulo ao funcionário graduado. É toda uma mentalidade que eu chamo de “escolão de terceiro grau”.  E não se percebe que com isso colocamos a universidade em risco. Porque hoje, dentro dessa concorrência toda, chega-se a conclusão de que as melhores e mais adequadas informações não estão dentro da universidade, mas estão fora!  De repente você esvazia a universidade porque você vai só trazer para dentro da universidade essa informação que gira no mundo inteiro através de grandes profissionais, ou seja, doutores e pós-doutores, e pós, pós, pós, pós. Ou seja, há uma quantidade imensa de informações realmente significativas fora da universidade, então você tem que trazer para dentro, ela tem a função dentro da sociedade de manter o conhecimento de ponta, ela precisa trazer isso para dentro, e não é tendo um reitor com primeiro grau incompleto que ela vai fazer isso!

Como é que ele vai dar conta de algumas coisas?  Como é que ele vai ver algumas coisas?  É difícil, mas o conhecimento ajuda a ver também.

É principalmente essa visão que eu critico do funcionário.  Por exemplo, esses dias chegou um folheto da Associação Brasileira de Relações Públicas oferecendo um curso de cerimonial universitário em 3 dias. O nosso mestre de cerimônias tem que fazer esse curso!  Nós temos que ser profissionais no que fazemos.  Eu tenho a minha qualificação, eu não vou ser mestre de cerimônias, mas ele é mestre de cerimônias!  Então vai fazer o curso.  Ele deveria fazer cursos dentro do Itamarati, porque nós temos que nos tornar melhor naquilo que nós fazemos dentro da universidade, os melhores!  Não pode ter um mestre de cerimônias aqui na comunidade melhor do que aqui dentro da FURB. É preciso adotar uma política de dotar a Universidade de suporte realmente funcional, realmente de gabarito. O que acontece hoje? Quem administra a universidade são os professores, mas não deveria ser assim. O Reitor tudo bem, o reitor, os diretores, que são funções realmente acadêmicas, mas todo o funcionamento da Universidade, tudo aqui desde as finanças, a prefeitura do campus, a Biblioteca não deve ser exercido por professores.

Como é que começa essa preocupação da FURB em especializar os seus professores?

Em parte é pressão externa. Isso se dá quando o MEC começa a fazer exigências: “para nós autorizarmos vocês a ser universidade vai ter que ter tantos por cento disso”.  E a pressão tem que ser contínua. Hoje, claro, hoje não!  Hoje já há uma preocupação interna.  Hoje já há uma pressão interna, dentro dos departamentos, no sentido da qualificação.  A pressão primeiro vem de fora, veio do próprio Ministério, mas agora já é endógena.  O processo já está se tornando uma necessidade. Se nós tivéssemos recursos adequados, a metade do pessoal teria feito o mestrado, o próprio professor quer fazer o mestrado. Hoje o conhecimento está muito mais imiscuido com a vida concreta das pessoas.  Hoje conhecer é antes de tudo agir, intervir, conhecimento é intervenção. 

Quando o senhor veio para Blumenau, o senhor era solteiro?

Sim, eu me casei aqui. Minha mulher tinha 26 e eu 29anos. Nós já éramos candidatos a titios. Casei-me aqui; minha esposa também é daqui, também é do Vale. Nasceu em Rio do Sul como eu, mas os pais são de Gaspar também. O pai é de Gaspar, a mãe é de Blumenau.

O senhor falou que em 75 foi o criado o curso de Educação Física.  Qual o critério que se adotou na época para se fazer essa escolha dos cursos?

Esse foi típico, porque Blumenau era a eterna campeã dos Jogos Abertos! Eles queriam manter essa hegemonia. E a forma de manter essa hegemonia nos Jogos Abertos era exatamente criar o curso de Educação Física aqui. Isso foi tudo idéia do Lorival Beckhauser. O curso de Educação Física foi feito à imagem e semelhança de seu deus criador, o Lorival Beckhauser. Ele ficou vinte anos como diretor. Ele fazia todas as manobras, ele mudava o estatuto a seu bel prazer para poder sempre se reeleger novamente. Isso é ruim, porque a Educação Física ficou restrita a um pequeno grupo. Um grupo que se encerrou em si mesmo e não se renovou. Eu sempre digo que o professor de Educação Física foi criado aqui dentro da Universidade como uma espécie de profissional paramilitar e não de paramédico. De paramilitar! É essa visão de ordem e disciplina. O corpo era visto como lugar de repressão, lugar de controle, lugar de rigidez. Hoje a Educação Física é exatamente para soltar. E hoje são essas profissões que estão em alta. Exatamente tudo na área da saúde preventiva, do lazer, do turismo, está dando profissão. As pessoas querem se soltar! Há os outros cursos, por exemplo, o de Ciências Econômicas. Embora grandes empresários estivessem contra, houve um pessoal que fez força para fundar a Faculdade de Ciências Econômicas, para realmente preparar o pessoal para as atividades industrial e comercial.

Quais foram os empresários que se colocaram contra?

Principalmente o Ingo Hering, que via com muita preocupação essa faculdade. Uma preocupação evidentemente paternalista, que o empresário era o pai dos empregados e que a relação que ele tinha que ter com os empregados era realmente de proteção, mas não de ascensão.  Porque para o Ingo isso não tinha sentido, isso era desorganizar a sociedade.  E logo depois ele se tornou um defensor da universidade. Ele mesmo passou a ajudar muito, a ajudar muito mesmo, a universidade! Ele dava 250 salários por ano para professores poderem fazer especialização, para comprar equipamentos. Ele!  Porque aquele dinheiro não saía da companhia, saía dele pessoalmente. 250 salários mínimos! Para aquela época era bastante!

E como surgiu a associação de amigos da FURB?

Essa foi uma idéia do professor Rivadávia Wollstein, dentro daquela perspectiva norte-americana que tem essa tradição do mecenato.  Nós não temos essa tradição, mas os Estados Unidos têm!  Porque nós temos a seguinte tradição: “o meu dinheiro é para os meus filhos”, e olhe lá!  “Isso se eu não gastar tudo antes, mas se não, se sobrar, é dos meus filhos!” Não pode sair da família!  Nos Estados Unidos é o contrário, o sujeito quer ser lembrado. O americano quer ser lembrado depois de morto.  Nada melhor do que doar 1 milhão, 2 milhões, 50 milhões para uma universidade. Porque ele tem garantido, por muito tempo, que o nome dele vai estar em placas. Então é mecenato mesmo! E depois, como o governo americano come até 90% no imposto de herança, eles não são estimulados a passar para os filhos.  Só quando a fortuna é muito grande, então eles criam as fundações. Mas as próprias fundações têm que distribuir a maior parte para as atividades fim, e não para a administração.  Então foi essa idéia do mecenato que o professor Rivadávia quis colocar em prática. Só que a resposta envolveu poucas empresas.  E com o tempo isso foi morrendo, bateu à crise dos têxteis, enfim. E tem esse individualismo acirrado de nossas elites, só entre certas camadas populares existe muita solidariedade. Mas nas classes médias para cima é uma briga de foice total. Quer dizer, o individualismo, a concorrência, “eu sou o melhor”, “eu sou o bom”, o de passar por cima do outro. A coisa mais difícil aqui é formar uma equipe de trabalho. Um trabalha e todo mundo se encosta nele.

Salvio5

O senhor é conhecido na FURB como o guru, como o filósofo da Universidade. Já ouvimos muitas expressões tentando definir o professor Sálvio...

É como eu digo, se eu estivesse ficado na Artex eu seria um vendedor de toalhas. E era o que eu fazia. Eu fazia contratos de câmbio. Quer dizer, provavelmente, com o tempo, eu iria subir na carreira, e ia ficar como representante em Nova Iorque, mas vendendo toalhas.

 


 
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