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A poesia em Blumenau Imprimir E-mail

Integrando as atividades do 1º Encontro de Leitura e Arte de Santa Catarina e 3º Fórum Brasileiro de Literatura de Blumenau, o escritor, professor universitário e mestre em Literatura Marcelo Steil participou da mesa redonda "Poesia Blumenauense: de onde viemos, para onde vamos", juntamente com os escritores José Endoença Martins, Mauro Galvão e Marcelo Labes. O Sarau Eletrônico publica agora a íntegra da intervenção do professor Steil, onde este aborda a produção poética em Blumenau até a década de 1950 e suas relações ideológicas e identitárias.

A Poesia em Blumenau:

Fala de Marcelo Steil no 1º Encontro de Leitura e Arte de Santa Catarina e 3º Fórum Brasileiro de Literatura de Blumenau

Marcelo de Brito Steil

Mestre em Literatura e Escritor

Inicialmente quero aproveitar o mote para o evento "Ficção, Leitura e Identidade". Anagramaticamente, se me permitem tal devaneio, observo a palavra leitura quanto agente intermediário entre a ficção e a identidade, entre o que pode vir a ser, quanto as infinitas possibilidades da ficção e o ser efetivo, esta identidade a qual buscamos.

A leitura passa a ser então, nesta minha brincadeira de ousar uma leitura transversa, o instrumento a partir da qual, da ficção que fizemos de cada um de nós, possamos erigir uma identidade que nos defina.

Sim eu falei erigir identidades, pois elas são construídas com fins ideológicos claros e premeditados.

Essa consciência da supremacia do ideológico sobre o histórico, do ideológico travestido em histórico, talvez seja a leitura que nos aponte.

Leitura, dos livros e do mundo, quanto percurso de construção de uma identidade que nos liberte.

Para esta mesa propôs-se o tema "Poesia Blumenauense: de onde viemos, para onde vamos". Analisemos a assertiva:

A mim cabe um recorte na parte "de onde viemos". Segue então o Endoença e o Mauro para colaborar com o debate.

Inicialmente devemos compreender o que se supõe por "Poesia Blumenauense". À primeira leitura tal declaração parece afirmar que haja uma literatura característica da cidade de Blumenau. Uma literatura que se distinga das demais e que pelas demais seja compreendida como diferente.

Ora, desvencilhando-nos de posturas político-ideológicas e focando nosso olhar aos textos que a cidade produz, podemos observar que nossa poesia não desenvolveu peculiaridades suficientes para fundar uma nacionalidade literária. Ela não, ou ainda não, erigiu o que Machado de Assis nominou de instinto de nacionalidade, condição suficiente para a fundição de uma nação literária.

Talvez o mais isento seria chamá-la de "Poesia em Blumenau". Ou poesia escrita a partir de autores circunscritos no perímetro da cidade.

Neste ponto vale lembrar, ainda mais nos dias de hoje com o esgotamento das fronteiras, que não são circunscrições geográficas que estabelecem nacionalidades e sim assertivas ideológicas, sempre a reboque de projetos econômicos que buscam hegemonia como já nos propôs Marx.

Trocando em palavras miúdas, as diferenças das literaturas litorânea (Itajaí, Florianópolis), Planaltina (dos campos de Lages) e do Vale, não são as paisagens, não são as etnias e sim os projetos econômicos que lhes sustentam, a pesca, a pecuária extensiva e a pequena propriedade, o minifúndio e todas as idiossincrasias decorrentes de cada "estilo da vida".

Aproveito o mote e os convido para uma jornada à produção poética do Vale do Itajaí desde o início de sua colonização, sob este prisma da construção ideológica de uma (ou várias) nacionalidades literárias em nossa região.

Qualquer incursão à poética produzida no Vale do Itajaí no início de sua colonização deve em primeiríssimo lugar lançar uma olhar sobre o ato imigratório, que sabemos, ocasiona profundos reflexos no imaginário do imigrante, decorrente do amplo corte que o fato encerra em praticamente todas as esferas de sua vida.

A existência individual é então dividida em duas etapas: antes e depois do desterro. As contradições entre os dois mundos: o que abandonou a contragosto, onde repousa seu passado, alçado somente pela memória e pela saudade; e o que se estabelece cercado de dúvidas e dificuldades, porém sob o signo da esperança, acarretam no imigrado uma profunda reorganização de muitos de seus valores.

Neste contexto, a poesia, que na época da grande onda emigratória européia, entre meados do século XIX e início do XX, sob a ótica do romantismo, era compreendida como reflexo da alma e amplamente utilizada na construção simbólica dos Estados nacionais, é severamente afetada neste processo, chegando a alguns autores como Werner Aulich, proporem em uma literatura específica, motivada pelo pathos da imigração.

Mais que isso, a produção poética produzida pelos imigrantes alemães e seus primeiros descendentes no sul do Brasil, além de ser permeada pelo ato imigratório, integrou ainda o processo colonizador, baseado na pequena propriedade rural e na agricultura familiar.

Os imigrantes assentados em grupos e em glebas afastadas, estabeleceram inicialmente pouco contato com os nativos, criando assim condições de uma certa sobrevida em alguns aspectos de sua visão de mundo, possibilitado principalmente pela manutenção da língua alemã, pelo sistema escolar, pela igreja, pelo acesso a informação, e ainda pelo sistema de comércio que escoava a produção.

Porém, para fundamentar meus argumentos sobre esta poética produzida pelos imigrantes e primeiros descendentes, peço licença para primeiro tecer algumas palavras sobre ideologia.

Apesar do termo sustentar muitos significados, em ampla tradição intelectual que vai de Platão e Aristóteles, passando por Hegel e sedimentando-se em Marx, a tradição recente parece aceitar duas concepções majoritárias de ideologia:

1) A primeira compreende ideologia como imaginário social;

2) A segunda como relação das idéias com a ação política prática.

Ideologia como imaginário, como propôs o próprio Marx, é compreendida como "... a forma mistificada pela qual os homens vivem suas relações reais" (In. Imaginário e Dominação), ou ainda "ideologia é um sistema socialmente necessário de representações, cuja estrutura permanece inconsciente a seus protagonistas, e que exprime, sob a forma do imaginário, a relação vivida entre os homens e o mundo." Na voz de Raymond Willems.

Conforme esta posição a concepção de mundo do artista é vertida ao texto de maneira subliminar, ingênua, não consciente, pois não provém de sua vontade individual, mas é determinada numa sociedade de classes pelas práticas sociais. Por fim, esta concepção de ideologia a transforma em uma atividade puramente teórica.

A ideologia, como prática política, tem sua gênese no próprio Marx e, posteriormente, também em Althusser e principalmente em Gramsci, quando se passa a trabalhar o conceito de ideologia também como instrumento de dominação em uma sociedade de classes, cujas funções são as de gerar nas classes dominadas uma "falsa consciência" do real, velando das mesmas as contradições da sociedade e tornando, através de um processo de engano, o cultural como natural, o transitório como definitivo e o histórico como eterno, no intuito de se criar consenso e unidade no imaginário social.

Focando tais conceitos para as zonas de colonização européia em Santa Catarina, observamos algumas dificuldades que problematizam sobremaneira a observação de seu imaginário, pois para além do embate de ideologias no qual o imigrante é inserido decorrente do próprio ato imigratório confrontando-se com outras etnias e suas concepções antagônicas de mundo, há ainda o processo de modernização no qual a região está inserida, com a transição campo X cidade, igualmente com ideologias diversas e conflitantes.

Porém, em meio a tanto ruído, os poemas escritos pelos imigrantes e primeiros descendentes oferecem uma brecha, a partir da qual é possível, senão uma síntese, ao menos uma incursão panorâmica sobre algumas de suas preocupações, tanto sua ideologia quanto imaginário social, bem como as representações que os poetas conscientemente ou não constroem para a afirmação do estado das coisas, ou seja, literatura como instrumento ideológico, no caso de manutenção da germanidade (Deutchtum).

Uma primeira observação que se apreende da leitura desses poemas é que a imensa maioria não trata da vida anterior do imigrante, e principalmente das razões que o impeliram à emigração.

Em "MINHA CASA PATERNA", Rudolf Damm descreve a chegada dos imigrantes através de uma curiosa metáfora: "De azuis vagas uma terra emerge". Pelo descrito a nova terra não tem passado, não tem história, por extensão não tem dono, ela simplesmente surge do meio das vagas, emerge do fundo do nada.

Do primeiro verso se intui que o imigrante chegou à nova terra de barco pelo mar, mas atendo-se ao descrito pelo texto, parece uma viagem só de chegada. Como, e por que razões o "filho louro do norte" teria abandonado sua terra, preterindo-a por outra, os autores de modo geral evitam descrever.

Também em "OS PRIMEIROS IMIGRANTES" Victor Schleiff inicia o poema com já em continente americano, avistando a nova terra: ""Terra! Terra!" - Assim ressoa de boca em boca,/ "Terra! Terra! Lá no Poente!"/"Terra! Terra!" - Firme a âncora no fundo se cava/Com férreo dente seu." Novamente a viagem é somente de chegada, não há partida nem véspera. E quando ousa olhar ao passado, o limite que alcança, ou se permite, é a viagem e suas dificuldades: "Para trás ficou a terrível viagem!"

Também em "OS MIGRANTES", de Ernest Niemeyer, a narrativa poética se inicia no novo mundo: "Cá estamos, migrantes, da pátria distantes", sendo que a única referência à pátria, à terra natal, é a distância que estão dela. Mais uma vez a epopéia se inicia em terras brasileiras, e apesar de assumir-se de outra pátria, evita até nominá-la, vendo-a distante e abstraindo-a do enredo do poema. Também sobre como e porquê deixaram sua pátria, Niemeyer, como os demais poetas desta literatura em idioma alemão, prefere não dissertar.

Mesmo quando o imigrante cita em seus poemas as supostas razões pelas quais deixou sua comunidade, estas se apresentam metaforizadas, e nunca expostas claramente, ou com a mesma acuidade das descrições que faz da nova terra. Em "PALAVRAS ALEMÃES, CANÇÕES ALEMÃS", de Rudolf Damm, por exemplo, as razões da imigração são atribuídas à má sorte ou ao destino: "Novamente à terra natal atraem,/Ah! Da qual há longos anos/A má sorte me apartou". Damm exime-se de qualquer responsabilidade quanto à decisão de emigrar, parecendo trazido ao novo mundo, por um ato de magia. Também Ernest Niemeyer em "OS MIGRANTES" prefere atribuir o complexo e doloroso processo da imigração a fatores imaginários: "À nova terra a estrela nos atraiu" esquivando-se dos problemas concretos que o envolviam.

Observando os exemplos acima é claro perceber a dificuldade com que os imigrantes e seus descendentes tiveram no trato com as razões que os impulsionaram à emigração, representado nos poemas somente por breves indicações de mal estar, onde maldizem a condição a que foram submetidos: "Outrora ao desconhecido rumamos/Sombrio dia – triste legião!", sem tratá-las diretamente. Este parece um claro posicionamento ideológico no sentido de apagar de suas própria memórias as dificuldades pretéritas, valorizando sua nova situação.

Outra ação ideológica por excelência que encontramos nos poemas em língua alemã é o constante esforço na criação simbólica de um consenso social nas zonas de colonização, encobrindo os conflitos reais a que estavam sujeitos, tais como as relações com os luso-brasileiros e com os indígenas.

Essa indução a uma falsa consciência do real, com intuito de construir uma noção de hegemonia às classes dominantes, pode ser observada no poema "Blumenau", de Victor Schleiff, onde o autor apresenta a cidade idealizada e sugere que a mesma situa-se ilhada, afastando-a tanto geograficamente como culturalmente das demais cidades catarinenses: "Qual ilha situa-se esta Blumenau".

Na segunda estrofe continua a visão encantada da cidade, com vinhedos, jardins de rosas e casas alegres, levando o autor a considerá-la praticamente perfeita: "Aqui reside felicidade, satisfação, bem estar". Os objetos descritos pelo autor estão todos em seus devidos lugares, e sempre aparecem carregados de referências prósperas e sublimes.

Durante a terceira estrofe o autor continua a exaltação à cidade, repetindo a metáfora da ilha feliz: "Da felicidade a ilha parece este belo vale". Conforme descrito pelo poema a vida corre sem a menor parcela de preocupação ou dificuldade, e a referência à fartura nas refeições - "Onde a mesa vem servida para feliz refeição" - supõe a prosperidade dessa cidade maravilhosa, chegando ao absurdo de sugerir que os habitantes atravessam a vida em eternas férias: "Onde toda semana tem sete feriados".

Ora, este período, pós campanha de nacionalização, é sabidamente de muito ressentimento e além disso, quando o poema foi escrito, na década de 50 o uso da língua alemã já não era hegemônico, conforme dados apontados por Willems (já em 1927 havia se equiparado as pessoas que declararam o alemão como língua usual (40%) e as que declararam o português (40%) na cidade).

Essa intenção de auferir homogeneidade à classe dominante busca abstrair da realidade a presença dos demais grupos sociais, com sua ideologia própria, e contrária a dos imigrantes.

O primeiro deles foi o dos indígenas que povoavam as zonas de colonização e com os quais tiveram inúmeras disputas. Os poetas imigrantes normalmente os excluem da "sua" história, e das pouquíssimas vezes que são mencionados, apenas são lembrados como pertencentes ao universo do exótico e do perigoso que a selva lhes oferece, chamando-os pejorativamente de bugres, e geralmente enumerado-os entre outros animais, caso de "OS PRIMEIROS IMIGRANTES", de Schleiff: "Onde ressoa da rocha fendida, cortando a noite,/Do tigre o trovejante bramido?//O peçonhento verme, a malhada cobra, se esconde/Pérfida enrolada no musgo!/E em mortal zunir do arco voa/Do bugre o emplumado projétil!", onde os indígenas são alinhados entre o tigre, o verme e a cobra. Novamente, como na maior parte dos poemas desta literatura, parece estarmos diante de uma representação idealizada da cidade, habitada por um grupo homogêneo, sem rivais nem dificuldades que os preocupe.

Para com os luso-brasileiros os poemas apresentam subliminarmente uma atitude de desconfiança e até de afronta. Poemas como "OS PRIMEIROS IMIGRANTES", de Victor Schleiff, apenas sugerem a existência de pelo menos um outro grupo étnico, sem entretanto nominá-lo nem descrevê-lo, cuja presença no universo poético dos teuto-brasileiros geralmente é associado a dificuldades e embates: "Mas agressivo grito pela selva ecoa,/"Aqui, só miséria e morte encontrarão!" A quem, ou a que grupo o autor atribui tal frase, o texto não nos deixou conhecer, porém parece alinhar-se com o também incógnito antagonista em "TEUTO-BRASILEIRO", de Georg Knoll, que igualmente dirige-lhe frases de afronta: "Mesmo que vozes me alertem/Que neste estranho rincão/Se diga: és tão somente alemão!" Os motivos pelos quais este ou estes outros grupos são vistos com reserva e associados a dificuldades e problemas, os textos não registram, nem sequer sugerem.

O ato ideológico neste caso é a atitude de desmaterialização, de seus opositores, escamoteando as relações conflituosas entre eles.

Por fim a própria forma poética canônica utilizada na construção dos textos, todos, invariavelmente erigidos sob os preceitos de um romantismo alemão tardio, calcado pela adoção da forma clássica, fundamentada na utilização de pés fixos, também pode ser compreendida como uma ação ideológica pois revela a manutenção dos valores culturais do grupo hegemônico.

Esse estilo poético, que trazido pelos imigrantes "engessou-se" em terras brasileiras, perpetuando-se como forma canônica da literatura produzida nas zonas de colonização, sequer assumira os preceitos filosóficos de Höelderlin e Nietzsche nem parece ter logrado conhecimento da ou contato com as vanguardas européias do início do século.

A tendência política desta literatura, "mesmo e justamente quando pretende ser apolítica" (CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1962, p. 1651), tendo como objetivo principal a afirmação desta nova identidade, preconizando assim o conteúdo dos poemas enquanto instrumento ideológico, em detrimento da utilização de uma forma estabelecida, levou os poetas teuto-brasileiros a certo isolamento da reflexão artístico-literária que o mundo observava na época. Assim, apesar de conter bons versejadores, como Schleiff, Knoll e Damm, a poesia teuto-brasileira em geral não alcançou o plano existencial com que a literatura alemã se diferencia das demais.

A literatura dita teuto-brasileira parece ocupar, portanto, um entrelugar entre as literaturas brasileira e alemã. Ela não se articula com a literatura brasileira que se fazia à mesma época, uma transição entre o parnasiano e o moderno, não sendo considerada brasileira pela totalidade dos críticos. O próprio uso da língua alemã em solo brasileiro coloca o grupo em uma situação de marginalidade e isolamento, que se observa pela ausência de referências nos estudos sobre literatura brasileira e mesmo catarinense. Igualmente difere da literatura produzida então na Alemanha, tematicamente por ter absorvido o pathos da imigração e sua conseqüências na identidade, além de utilizar os esquemas de composição de Goethe, apesar de não alcançar sua inspiração filosófica.

A literatura teuto-brasileira se volta, tamanho o seu isolamento para com as outras expressões literárias, para a construção de seu próprio lugar, como se não houvesse "retorno" a uma situação anterior, e somente a partir da nova realidade necessitassem reconstruir sua identidade.

A leitura dos poemas em idioma alemão produzidos nas zonas de colonização de Santa Catarina nos permitiram, portanto, uma incursão tanto ao dia-a-dia do imigrante, bem como ao seu próprio imaginário e de seus descendentes, que através da expressão poética exprimiam sua sensibilidade, mas principalmente, como instrumento ideológico, a representação de seus interesses na manutenção da germanidade, que aos poucos esmorecia ante o próprio desenvolvimento da cidade e suas crescentes relações nas tramas comerciais e sociais com o país que os abrigou.

Blumenau, 28 de agosto de 2008

 
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